I
Eu sempre
fui a menina esquisita. Bom, pelo menos para meus colegas da escola. Me
chamavam de nerd , quatro olhos - não sei qual é o problema em usar
óculos - e de CDF, mas mal sabiam que a única matéria que eu ia bem, era
Literatura, por causa dos livros. Sim, eu sempre gostei de me aventurar pelas
histórias das páginas, às vezes nos romances, às vezes nos suspenses, às vezes
nas ficções, independe do gênero, eu sempre estava a usar a minha imaginação,
só nunca gostei de auto ajuda, porque não me davam asas para voar e… porque
quem era o Sr fulano autor para me ditar como devo viver minha vida?
Eu não era
anti social, mas eu tinha apenas uma pessoa o qual eu confiava e contava sobre
meus sentimentos, medos e sonhos, a Raquel. Ela geralmente estava sempre
comigo, era muito tagarela e vivia falando dos meninos, cada semana era um
paquera diferente. Ela me acompanhava em quase todos os lugares, até mesmo na
minha casa ela vivia indo, só não ia comigo a biblioteca, nas minhas horas
vagas eu sempre ia lá, para me distrair e me divertir, só que para ela, ler não
era divertido. Então eu ia sozinha, contava para ela o enredo, falava dos
personagens, tentava lhe despertar o interesse, mas ela sempre dizia “para que
vou ler, se você contando é muito mais divertido?”, eu sorria, mas nunca
desisti, sabia que um dia ela iria ter o interesse de se aventurar
sozinha.
Era um dia
qualquer, ensolarado, com os alunos em volta do portão de saída da escola,
alguns namorando, outros andando de skate e outros em grupos fazendo algumas
piadas que eu nunca tive o interesse em saber. Estava indo em direção a
biblioteca, com minha cabeça baixa para não ouvir os meninos zombarem de mim,
quando ouvi gritarem meu nome:
-Andressa! -
olhei para trás e vi Raquel correndo tentando recuperar o fôlego - Espere! Está
indo embora sem mim?
-Você
demorou para sair, estava com o Murilo e bem… estou indo a biblioteca, você
nunca vai comigo a biblioteca.
-É verdade -
ela riu - Bem, já que vai a biblioteca, vou ver se consigo alcançar o Murilo e…
bem, você sabe!
-Sim, sim,
vai lá com o novo “amor da sua vida”!
Ela me deu
um beijo na bochecha e saiu correndo no sentido oposto, voltando para aquela
muvuca de alunos. A biblioteca não ficava longe, cheguei em alguns minutos. Ela
era a biblioteca central da cidade, era bem grande e apesar disso, todos os
funcionários me conheciam, assim que cheguei, me cumprimentaram:
-Olá
Andressa! - disse o recepcionista que tinha um sorriso bem grande
-Oi Antony!
- passei por ele indo em direção aos fundos onde ficavam as prateleiras, no
caminho tinham algumas mesas redondas onde as pessoas faziam trabalho em
grupos, e a senhorita Teresa que geralmente estava sempre arrumando o local, me
cumprimentou:
-Boa tarde,
veio continuar sua aventura?
-Na verdade,
vim começar uma nova, aquela já terminei!
-Oh! - ela
se espantou - Você é rápida! Já sabe qual será a aventura da vez?
-Não, mas
sei bem onde encontrar! - acenei para ela e andei mais rápido na direção das
prateleiras.
Passei
tranquilamente pela prateleira de ficção fantástica, examinando cada título
para aquele que mais chamava minha atenção, tendo o cuidado de examinar os que
ficavam no topo, mesmo eu sendo baixa, não desprezava os títulos que ficavam no
alto. Todos bem apagados, até que um me chamou atenção: era um livro bem
grosso, a capa era verde musgo, mas as letras eram douradas, e estava tão
brilhantes que pareciam ter uma luz própria. Estava no topo, eu não sabia se
alcançaria, mas o título dizia: Onde você for, a mágica te seguirá. E
então eu me ergui nas pontas dos pés o mais alto que pude, estiquei meu braço
direito o mais alto que pude, enquanto apoiava minha mão esquerda para não
perder o equilíbrio, me estiquei e consegui tocar no livro, mas estava longe de
conseguir tirá-lo dali. Então tive a brilhante ideia de pegar um livro grosso
que estava na prateleira debaixo e fazer de calço. Tinha que ser rápida, se
Teresa visse eu pisando no livro, ela me mataria. Coloquei o livro grosso no
chão e subi, fiquei um pouco mais alta, mas ainda assim tive que me esticar
muito para alcançar o livro. Consegui pegar e puxei, era pesado, coloquei mais
força e puxei com impulso. O livro deslizou e então eu perdi o equilíbrio
porque era muito pesado, escorreguei do livro que estava embaixo e o livro
grande e pesado o qual eu queria tanto, caiu sobre mim e depois caiu no chão
com as páginas abertas, eu que ainda estava tentando me equilibrar no outro
livro, não consegui e caí na direção do outro livro aberto, em fração de
segundos eu vi aquelas páginas brilharem tanto que parecia que tinha-se aberto
um portal, e quando eu ia cair ao chão, uma força me sugou e tudo começou a
rodopiar, e de repente a biblioteca ficou tão longe e eu só conseguia ver tudo
brilhando, eu caia para algum lugar, não pensei em mais nada e só gritei, e
tudo ainda girando e eu não conseguia ver onde eu estava caindo, até que senti
o baque no chão, caí de cara. Tateei o chão procurando meu óculos, porque
naquela confusão ele saiu de meu rosto, e senti uma terra seca, entranhei, não
parecia o chão de linóleo da biblioteca. Achei meu óculos e coloquei
rapidamente no rosto, então eu vi: fui teletransportada para outro lugar.
II
Será que eu
bati a cabeça com tanta força que agora meu cérebro estava criando um cenário
enquanto eu estava em coma? Não. Eu conseguia ter as sensações reais dos
sentidos, eu sentia a brisa quente e abafada, eu via muito nítido para ser
projeção da minha mente, e eu escutava… Eu não escutava nada, porque era tudo
estranhamente muito quieto, mas eu ouvia o vento, que passava como se estivesse
com pressa de ir em algum lugar.
Me levantei,
limpei minhas roupas cheias de poeira, e olhei ao meu redor, não havia nada,
somente um solo seco sem nenhuma vida, ao longe eu conseguia ver umas montanhas
rochosas e mais nada, olhei ao céu que estava bem azul, com pouquíssimas
nuvens, mas não havia nenhum abutre a me observar morrer, porque querendo ou
não era isso mesmo, eu estava em um deserto sem nada, não poderia me alimentar
nem beber, e apesar de parecer muito real, eu comecei achar que estava no limbo
do meu cérebro. Fiquei andando e andando e não encontrei nada. É, eu
definitivamente bati minha cabeça com muita força e estou em estado vegetativo
e meu cérebro está criando esse lugar.
Bem, quando
cansei, me sentei em uma rocha que por sinal estava bem quente, mas eu estava
tão cansada que não me importei. Olhei para aquele solo árido e… eu estava
sentindo o cheiro da terra! Como eu poderia estar em coma sentindo as sensações
do lugar que meu cérebro criou? Bem, se isso é fruto da minha imaginação, eu
posso criar o que eu quiser! Em um salto eu sorri e comecei a imaginar: esse
chão: quero uma grama bem verdinha! Fiquei alguns segundos parada e nada
aconteceu. Ahg! Droga! Deitei-me no chão com barriga para cima e comecei a
alisar a terra, era bem seca e dura, continuei até que senti algo mais macio,
continuei sem olhar e aquilo estava crescendo, parecia… grama! Levantei em um
salto e era isso, onde eu estava deitada havia uma grama bem verdinha. Matei a
charada: eu precisava fazer as coisas com carinho e tudo ficaria como imaginei.
E então, com
muita animação, comecei logo a aumentar, tirei os sapatos e percebi que o
carinho funcionava com os pés também, e de repente comecei a ouvir uma música -
provavelmente eu estava em um quarto no hospital e ligaram o rádio - o que me
deu ritmo e comecei a dançar. Por onde meus pés e minha mãos tocavam, apareciam
alguma vegetação, a música era Lost On You, e por incrível que pareça o
lugar estava ficando bonito, a música parou e eu parei e fiquei a observar,
fiquei decepcionada porque imaginei uma cidade, uma cidade parecida com a
minha, porque eu criei uma floresta, e falei isso em voz alta:
-Por que uma
floresta???
O som ecoou,
e tive a impressão de ouvir uma risadinha de deboche, fiquei atenta mas tudo
estava muito quieto, salvo pelo o barulho do vento que batia na copa das
árvores. Sentei em uma rocha, e suspirei:
-Até meu
cérebro debocha de mim!
Ouvi a
risadinha de novo, e olhei rapidamente para trás, depois fiquei atenta, será
que havia alguém no meu quarto de hospital rindo de mim?
-Vamos!
Acorda! Acorda! - gritei e depois em um tom mais desanimado disse mais para meu
interior - Não quero ficar sozinha nessa floresta tãaaao silenciosa
-Você não
vai acordar!
Levantei
rapidamente procurando por todas as partes, atrás das árvores:
-Quem está
aí? Quem está falando comigo?
-Estou aqui!
Olhei para
cima, e na copa de uma árvore havia um garoto aparentemente da minha idade,
talvez um pouco mais velho devido a uma barba rala. Estava com uma roupa bem
desgastadas e diferente, tinha o cabelo grande - fazia tempo que não via uma
tesoura, sobre um galho como se seu peso fosse igual de um passarinho
-Quem é você?
Eu não te conheço! O que faz na minha mente?
-Pensei
ouvir você dizer que não queria ficar aqui sozinha - ele sentou em posição de
lótus e veio flutuando até ficar mais próximo de mim - E sobre não me conhecer…
não significa que seus olhos não tenha me captado e memorizado enquanto
passeava pela rua, por exemplo.
-Vai me dar
aula de psicologia agora?
-Você é
sempre assim? Tão arisca?
-Sou! -
percebi que falei em tom bem grosseiro - Desculpe, eu estou acostumada com as
pessoas sempre me chamando de esquisita.
-Falando
dessa maneira, é esquisita mesmo!
-Ei! Não te
dou o direito de me ofender aqui! Aqui é meu mundo!
-Se você diz
- ficamos um tempo olhando um para cara do outro e então ele começou a olhar ao
redor - Você fez um bom trabalho, estava tudo tão seco e sem vida…
-Na verdade,
eu não sei porque criei essa floresta, eu pensei em um parque e em volta uma
cidade, mas nada de concreto se fez…
-Você não
pode criar nada que não tenha vida.
-Ah é? Por
quê? - Disse desafiadora
-Bem… uma
hora você entenderá - ele flutuou de novo para cima e deitou em um galho - Mas
acho que ainda tem muito espaço para você dar vida.
-Ok! Serei
otimista, se é para ficar presa no meu cérebro com um maluco que não conheço,
que seja um lugar agradável!
-Bem, meu
nome é Tomás, prazer! Agora você me conhece.
Eu continuei
andando para uma direção aleatória, já que ali não existia trás ou frente, e
então me lembrei de que li nos livros, como as pessoas antigas se orientavam:
pelo Sol. Foi assim que consegui localizar um leste e oeste, norte e sul. Achei
engraçado meu cérebro criar o sol, geralmente nos sonhos não existe sol. Mas
ignorei e voltei a criar, criei diferentes espécies de plantas, todas as quais
eu lembrava ver pessoalmente ou por imagens na internet ou livro, estava
disposta a criar uma biodiversidade. E então percebi que tocava uma música, o
que me deixa mais disposta nessa criação: Drama Club. Parecia que a
pessoa que estava colocando essas músicas na mundo real, sabia o que eu estava
sentindo. Eu estava criando com determinação e ao mesmo tempo irritada porque o
garoto continuava flutuando aonde eu ia, mas resolvi o ignorar
Foi quando
na minha caminhada me deparei com a margem de um lago bem cristalino, sentei a
beira e coloquei meus pés dentro, a água estava morna e eu fechei os olhos
apreciando a sensação, foi quando de repente ouvi um grito:
-Como ousa?!
Quem te deu autorização para pôr os pés no meu lago?
Rapidamente
eu tirei os pés e procurei de onde vinha aquela voz feminina que definitivamente
não era do Tomás, porque ao olhar para ele, parecia tão surpreso quanto eu. E
então vi emergir do centro do lago uma garota dos cabelos bem longos e loiros:
-Eu te fiz
uma pergunta.
-De.. desculpa
- gaguejei - Não sabia que era seu! - A garota veio na minha direção e parou
alguns centímetros de mim, tive que olhar para cima porque ela era mais alta
-Ora, ora,
com ela você trata com temor!
Foi então
que percebi que estava me desculpando com uma garota criada na minha mente,
rapidamente me recompus e dei um passo para trás:
-Esse não é
seu lago, se está na minha mente não tem nada seu, você nem é real!
Vi a garota
ficar confusa e olhar além de mim, estava olhando para Tomás.
-Ela acha
que estou na mente dela?
Virei e vi
Tomás dar de ombros e sorrir maliciosamente
-Garota não
estou na sua mente, de onde tirou isso?
-Ah legal
cérebro, agora quer me deixar confusa? Eu caí enquanto tentava pegar um livro e
bati a cabeça e agora estou em um coma e vocês são frutos da minha imaginação
para eu não ficar em um limbo!
Eles ficaram
em silêncio e depois ambos caíram na gargalhada, fiquei confusa e como
automático perguntei:
-Do que
estão rindo?
-Garota - a
moça dos cabelos longos colocou a mão no meu ombro e senti seu toque molhado e
leve - Você não está em coma - ela dizia enquanto tentava parar de rir - Você
veio para o mundo da devastação.
-Quê??? Como
assim? Que mundo é esse?
-Vai me
dizer que não estava tentando pegar o livro Onde você for, a mágica te
seguirá?
Olhei para
Tomás que sorria como se estivesse explicando que a Terra é geoide e não
redonda, e me lembrei do livro que caiu aberto e apareceu uma luz muito intensa
como se uma porta tivesse aberto. Uma porta! O livro era um portal e quando caiu
foi aberto me sugando para dentro de um mundo paralelo. Agora tudo fazia
sentido porque tudo que eu sentia era tão real e não como sonho.
III
Depois que
me caiu a ficha, e entendi que eu estava dentro do livro, sentei-me a beira do
lago cristalino e conversei com Tomás e com Celina. Se eles sabiam mais do que
eu, deveriam parar de debochar da minha cara e me explicar qual era o propósito
daquilo.
-Então já
faz um tempinho que estão aqui?
-Sim… mais
ou menos, não temos calendário e nem relógio então não contei a quanto tempo
exatamente que estamos aqui.
-E vocês
vieram para aqui da mesma forma que eu?
-Bem, eu não
caí dentro do livro como você - Tomás riu - Eu o peguei e levei para o fundo da
biblioteca, quando abri a primeira página, tinha uma descrição bem simples
desse lugar, me lembro como se fosse hoje:
“Um lugar
remoto, onde não há vida e somente o solo árido e uma pequena lagoa. Não há
nenhum som, o lugar é morto…”
-E quando
virei a página, uma luz bem forte quase me cegou e então fui sugado para dentro
do livro.
-Aparentemente,
todo mundo que vem aqui, tem alguma habilidade especial - Celina começou a me
explicar enquanto passava a mão em seus cabelos - Eu tive uma habilidade de
criar a água aqui, quando li o livro a descrição da primeira página nem falava
sobre a água, era só “um lugar remoto sem vida”
-Qual é sua
habilidade, Tomás - me virei para ele inocente - Voar?
Ele caiu na
gargalhada e Celina riu também, só que mais discreta:
-Sério que
ainda não descobriu? - ele me perguntou e só balancei a cabeça negativamente -
Eu tenho habilidade de criar a música, foi eu que deixei aquele clima melhor
para você criar a sua pequena floresta!
-Ain que
boba eu sou - bati a mão na testa e depois ri - E eu achando que era alguém no
quarto do hospital que ligou o rádio
Nós três
começamos a rir e eu percebi que o sol estava bem baixo, era o pôr do sol.
Celina veio até a mim e sentou do meu lado de frente para o sol, e Tomás
sentado em posição de lótus enquanto flutuava desceu para perto de mim:
-Para de ser
exibido e senta com a gente! - Disse Celina sem olhá-lo e ele sem graça (era a
primeira vez que eu o via sem graça, ele parecia sempre seguro de si e pronto
para soltar alguma piadinha, talvez ele gostasse de Celina) apenas sorri e
ficamos a olhar o pôr do sol ao som de Blinding Lights que Tomás
colocou.
-Essa música
é muito boa - comentou Celina - Você tem uma “playlist” muito boa!
-Dá até
vontade de dançar! - comentei
-E por que
não? - Celina se levantou e começou a dançar no ritmo da música, eu e Tomás
ficamos olhando sorrindo, mas logo ela me pegou pelas mãos e me fez dançar com
ela, tentei relutar no começo, mas acabei não resistindo e logo depois já
estava os três dançando - na verdade Tomás tinha um gingado bem interessante,
até me surpreendi. Quando a noite a caiu de vez, eu vi um céu muito estrelado
como eu nunca vi na minha cidade, parecia até que estávamos no universo. Então
nós três deitamos virados para o céu e começamos a admirar, Tomás mudou a
música para Save Your Tears e ficamos brincando de adivinhar formatos
nas estrelas.
Não tinha
percebido quando dormi, mas acordei com algumas gotas de chuva no meu rosto. Eu
estava deitada sobre algumas folhas debaixo de uma árvore sozinha - quem me
colocou ali? De repente comecei a ouvir umas risadas animadas e rapidamente me
levantei, e vi Celina saltitando e sorrindo na minha direção enquanto dizia:
-Eu
consegui! Finalmente eu consegui! Graças a você, Andressa!
Sem entender
nada fui na direção dela e surpreendentemente ela me abraçou enquanto sorria:
-Eu
finalmente consegui fazer chover!
-Que legal,
mas… o que eu tenho a ver com isso?
-Como assim?
A floresta! Você fez nascer vegetação e assim eu consegui através das árvores
criar nuvens e fiz chover, agora poderá aumentar a vegetação!
-Ah! -
verdade que já tinha aprendido em algum ano da escola sobre o ciclo da água,
mas nem tinha me ligado - O lago não evaporava com o sol criando nuvens?
-Não seja
boba, o lago era muito pequeno, e eu tinha um trabalho danado para mantê-lo, se
não o sol evaporava tudo! - ela voltou a saltitar enquanto a água da chuva
ensopava nós duas!
-Tomás! Cadê
você para colocar uma música que combine com o estado de espírito da Celina? -
eu disse com ironia
-Muito
engraçado! - ele apareceu como da primeira vez, nas copas das árvores
-Você
consegue ficar invisível também? Porque você simplesmente aparece e some do
nada?
-Sim, eu
consigo fazer as ondas sonoras ficar densas o bastante para me esconder atrás
delas!
-Acho que
isso é fisicamente impossível!
-Disse
certo, fisicamente, mas aqui é magia!
-Tá bom,
agora me responda uma coisa: quem me colocou deitada sobre aquele monte de
folhas? Eu nem percebi quando dormi!
-Ninguém!
Seus poderes te trouxeram para perto da sua, como dizer: habilidade? - fiquei o
olhando confusa o que fez ele tentar explicar de outra forma - Veja bem, você
tem habilidade de criar vida vegetal, então quando você dormiu, foi conduzida
para aquilo que você domina, assim como a Celina voltou para o fundo do
lago.
-E você?
-Não sei
explicar, fico em um espaço onde há ondas sonoras, mas não consigo te explicar
porque nunca vimos isso na nossa vida na Terra.
-Você acha
que não estamos na Terra?
-Estamos na
Terra porque o livro está na Terra, e não faz essas perguntas estou aqui como
você, não fui eu quem criou o livro mágico!
-Pensei que
você era o alto astral da turma - disse com ironia - mas hoje você está bem
ranzinza, é a chuva?
Ele não me
disse nada e sentou no galho da árvore, não estava sorrindo - parecia
pensativo. Mas eu não quis o incomodar e fui até Celina que estava ainda
dançando na chuva:
-Ei garota,
acho que está bom de chuva por hoje!
Ela me olhou
ainda sorrindo e fez um movimento com as mãos que fez as nuvens se dispersarem.
-Desculpa!
Me empolguei, fazia tempo que eu ficava no meu lago, sem nada diferente para
fazer, e quando eu consegui fazer chover, me senti útil!
-E os
peixes? Você podia se divertir com eles! - eu disse sorrindo
-Peixes? -
seu sorriso se apagou - Não tem peixes, Andressa!
Eu fiquei
sem graça, percebi que comentar aquilo tinha tirado o êxtase dela, e não era o
que eu queria, ela continuou:
-Não existe
nenhum tipo de animal, como o Tomás disse, não havia vida aqui agora que você
trouxe a vegetação, é mais possível, mas precisa que alguém os traga.
-Era por
isso que o Tomás estava triste?
-Ele estava
triste? - ela ficou pensativa mas não esperou eu responder - Acho que não, deve
ser saudade de casa, bem, as coisas estavam bem paradas por aqui, teve uns dias
antes de você vir, que ele ficava repetindo a mesma música triste todo santo
dia!
-Eu acho que
ele gosta de você!
-O que? -
ela me olhou surpresa - Por que você acha isso?
-Você pode
não ter percebido, mas eu que estou de fora percebi!
Ficamos um
tempo olhando para a cara da outra quando senti uma poça de água cair sobre
mim, e então Celina caiu na gargalhada e começou a correr em direção ao lago,
eu abaixei e peguei um punhado de terra e corri atrás delas:
-Volta aqui!
Isso não vai ficar assim!
E então
ficamos como duas crianças melhores amigas pulando na água, salpicando água uma
na outra, outrora eu saia e jogava terra nela, até nos cansarmos e ficamos
boiando na água enquanto o sol aquecia nossa pele.
IV
Tinham se
passado alguns dias e algumas coisas mudaram, percebi que não sentíamos fome,
mas resolvi criar árvores frutíferas para passar um tempo degustando diversas
frutas. Eu aumentei a floresta e Celina criou uma nascente. Sentíamos falta das
músicas, Tomás depois daquele dia da chuva, ficou amuado nos cantos, e só
colocava música quando o chamávamos, mas ainda assim eu o percebi com baixo
astral. Como Celina disse que ele estava assim porque estava com saudade de
casa, não insisti com ele, mas no fundo eu achava que era outra coisa, e estava
decidida a mudar o humor dele.
Nesse dia,
deixei Celina tentando criar uma fonte perfeita, e me adentrei na floresta,
estava bem silencioso, conseguia ouvir as folhas caindo e o vento balançando a
copa das árvores. Subi em uma figueira e comecei a assoviar.
-Isso é um
jeito de me chamar? - percebi Tomás em um galho um pouco acima de onde eu
estava
-Funcionou,
é isso que importa!
-O que você
quer? - ele disse impaciente mas não grosseiro
-Eu me
cansei de te ver assim, quando nos conhecemos você ficava rindo da minha cara e
colocava as músicas mais divertidas, e agora… - suspirei - Você nem fica perto
de mim e da Celina
-Vocês estão
bem sem mim! - ele deu de ombros
-Sabia!
-Sabia o
que? - ele me olhou espantado
-Você gosta
dela e está com ciúmes porque passamos um bom tempo juntas!
-Ora ora,
você me pegou! - ele desceu flutuando até o galho onde eu estava - Para quem
achava que estava em coma, você percebeu rápido!
-Pensei que
ia negar, mas me poupou de tentá-lo convencer a falar a verdade. Por que você
não fala para ela?
-Por mais
que eu pareça confiante, eu percebi uma coisa que antes de você chegar não
tinha percebido.
-O que?
-Antes de
você chegar, Celina era ranzinza, eu sempre tentava animá-la, mas ela sempre
queria ficar no fundo do lago dela, e quando saia para superfície era para
brigar comigo… e quando você chegou, ela mudou completamente, ela sorri sempre
que está com você e até dançou - ele olhou para mim triste - ela nunca tinha
dançado daquele jeito antes.
-Tomás, ela
mudou porque quando cheguei eu trouxe vegetação, e isso deu esperança para ela…
-Acho que na
verdade, ela gosta de você.
Fiquei sem
palavras, ele não esperava essa resposta, ele disse aquilo convicto que era
verdade, mas eu não quis acreditar, eu sempre fui a menina esquisita e ninguém
nunca se interessava por mim, e de repente Tomás me diz que alguém gostava de
mim. Precisava me convencer e convencer a ele que ela gostava de mim, mas como
amiga.
-Não fale
bobagens, por que ela gostaria de mim? Não tenho nada de interessante - Comecei
a descer do galho - Venha, você vai falar para ela e acabamos com essa sua
teimosia boba!
Quando
cheguei ao chão ele ainda estava no mesmo galho parado:
-Você acha
mesmo que vou lá me declarar para depois ela me dar um fora e eu passar o
restante da vida com ela sabendo que não tenho chance?
-Como você é
bobo! Qual é a diferença do que você já está agora? A diferença é que você está
sem saber a verdade e está sofrendo antecipadamente.
-Por um lado
você tem razão - ele riu e desceu flutuando até perto de mim - Com o fora
certeiro eu poderei me dedicar a outra coisa: tipo ficar bem longe de vocês!
-Ah! Cala a
boca! - eu bati de leve na cabeça dele e fomos juntos até o pequeno riacho que
eu tinha deixado Celina. O caminho todo ele ficou me questionando como ele
deveria fazer, eu que nunca tive experiências reais com essas situações dei
opiniões de como ele deveria fazer de acordo com os livros de romance que eu
lia: “Seja você mesmo, apenas se aproxime a chame e diga”. Quando já estávamos
perto eu disse que ele teria que continuar sozinho:
-É claro!
Você acha mesmo que quero testemunha para o meu fora?
Nós dois
rimos, eu sabia que ele estava mais confiante e disse aquilo para descontrair o
clima. O empurrei e fiquei para trás. A uma certa distância dele eu me
aproximei do riacho, ele não precisava saber que eu estava vendo, mas eu quis
ver aquela cena, sabia que ia dar certo. Celina tinha conseguido fazer a fonte,
estava sentada nela deixando os pés dentro da água com um sorriso satisfeito.
Ela percebeu que Tomás estava se aproximando e sorriu para ele:
-Veja! Estou
satisfeita, depois de muitas tentativas!
-Verdade
ficou muito bonita mesmo, mas não é novidade para mim, tudo o que faz fica
bonito! - ele disse enquanto sentava ao lado dela!
-Obrigada! -
ela respondeu com a expressão de quem percebe que aquilo não era um comentário
normal, mas sim próximo a um flerte. Ele ficou sentado um tempo olhando para a
água que corria nos pés deles em vez de olhar para ela. Ainda bem que ela era
mais destravada e puxou o assunto - Você está bem? Eu e Andressa percebemos que
tem se afastado e está um pouco triste…
-Eu gosto de
você! - ele disse olhando para os olhos delas, eu não imaginei que ele seria
tão direto quando disse para ele ser - Não tem problema se não gostar de mim da
mesma forma, eu só precisava te dizer isso para não ficar na dúvida - ele se
levantou de repente, deve ter perdido a coragem e nem queria mais saber a
resposta dela, mas ela segurou o pulso dele, sem dizer nada ela se levantou e
aproximou dele dando um beijo.
Nessa hora
quase não me contive, mas estava muito silencioso e não quis que soubessem que
estava espiando tudo. Pulei e segurei o riso o mais baixo possível.
Depois
daquele dia tudo mudou, agora ouvíamos música o tempo todo: quando estávamos os
três juntos eram músicas agitadas e divertidas, e quando eu estava sozinha eram
músicas mais calmas e apaixonadas, provavelmente os dois estavam juntos.
Tirando
isso, nada muito mudou. Quando eu estava sozinha ficava observando o cenário
que criamos, estava tudo muito bonito como uma fotografia para wallpaper
de computador, mas algo estava faltando, estava faltando vida! Tinha muita vida
vegetal sim, mas faltava passarinhos cantando, talvez um cachorro ou um gato.
Eu nunca fui muito ligada a animais de estimação, mas parecia que dessa vez eu
percebi a falta que eles faziam. Eu sempre fui uma garota calma, que gostava de
ficar reclusa no meu mundo dos livros sem muita companhia, mas até eu estava
sentindo falta de algo mais agitado, estava sentindo falta de novas aventuras,
as aventuras que eu lia nos livros, e também, pela primeira vez eu queria
também sentir o que Tomás e Celina estavam sentindo. Nunca tinha sentido antes,
mesmo vendo Raquel e seus namoros passageiros, ou então os casais que ficavam
na porta da escola, sempre achei aquilo superficial e efêmero. Mas com o casal
que eu presenciava todos os dias, era como se eu estivesse lendo um dos meus
livros de romance. Estava materializado na minha frente algo que eu nunca achei
que existisse. Porque até mesmo em casa, meus pais não viviam assim, eles
sempre estavam falando sobre dinheiro ou coisas materiais que era preciso
comprar, e nunca os vi olhando para o outro como estava vendo os pombinhos em
minha frente.
Eu espantei
esses pensamentos, e tive uma outra ideia.
V
-Você quer
fazer uma casa na árvore? - disse os dois uníssono
-Sim, eu sei
que não preciso porque não tem animais selvagens e só chove quando Celina quer,
mas seria algo para aproximar de casa, na verdade estou um pouco cansada de
dormir na pilha de folhas…
-Tá certo,
vamos te ajudar!
-Minha
especialidade é água, mas vamos nessa!
Nós gastamos
um tempão para construir uma casa razoável, não tínhamos ferramentas e tivemos
que improvisar, é claro que não fizemos em um dia também, começamos quando
propus, mas por não termos calendário nem relógio, imagino que tenha se passado
pelo menos uns cinco dias.
Durante esse
tempo vi mais de perto o relacionamento dos dois, de vez em quando Tomás
perturbava Celina com comentários da vida que tínhamos fora dali, Celina nos
contou que ela já tinha terminado o ensino médio, estava na biblioteca
estudando para os vestibulares quando achou o livro. Ela disse que era popular
e suas amigas eram seguidoras, o que ela fazia ou pedia, as meninas seguiam e
obedeciam. Tomás chamava ela de princesinha sem neurônio, só para vê-la com
raiva, ela o insultava de volta o chamando de hipster sem futuro, mas isso não o atingia porque ele continuava
rindo. Aproveitamos esse período para nos conhecermos melhor, e Celina o
chamava assim quando estava com raiva, porque Tomás já tinha terminado o ensino
médio a um tempo e não pensava em cursar faculdade, ele gostava de ficar
tocando violão enquanto fazia mochilão com seus amigos:
-Sua rotina
era bem ao ar livre, como você achou o livro?
-Verdade,
biblioteca não era seu lugar favorito de frequentar, ao contrário da Andressa -
disse Celina
-Bem, que
aguarde o próximo capítulo porque não contarei minha peripécia agora.
-Ah fala
sério! Para quê esse mistério? Não temos pressa, nossos pais não estão nos
esperando e não temos compromisso nenhum!
Ao dizer
isso em voz alta, soou um clima pesado, nós três caímos a ficha de como poderia
estar o mundo em que vivíamos, talvez nossos pais virando noites acordados,
fazendo cartazes e colando nos postes da rua, ou então entrando em comunidade
nas redes sociais de pessoas desaparecidas. Nós três ficamos calados, eu estava
imaginando como todos estariam sem mim, meus pais que apenas convivem juntos
sem mais sentimentos, minha amiga Raquel… É não tenho muitas pessoas para se
preocuparem comigo.
-Realmente,
está na hora de nos recolhermos! - o céu estava alaranjado, o sol já tinha se
posto, mas ainda via a claridade de seus raios.
Celina e
Tomás saíram, talvez passariam a noite juntos, eu não me intrometia em como
viviam. Fechei a porta, só para delimitar minha privacidade, porque ali não
fazia diferença. Deitei-me sobre algo que consegui deixar parecido com uma cama
e fechei os olhos, somente fechei porque não consegui dormir. Ouvi um barulho
lá fora, e não parecia o barulho habitual de folhas caindo ou galhos
balançando, pareciam passos. Eu me levantei para ver, poderia ser Tomás ou
Celina precisando de alguma coisa. Os passos estavam bem calmos e devagar,
desacelerei os meus ao chegar na porta e abri devagar. E me surpreendi muito
com o que vi, tinha uma corça, parada do lado de fora, comendo alguma coisa no
chão. Era um animal!
Não pude me
conter, eu fui bem silenciosamente na direção dela, queria tocá-la, sentir que
era real, mas a audição desse bicho é muito boa, e rapidamente ela me olhou e
depois se afastou correndo. Mas eu ainda estava com o sorriso bobo na cara.
Alguém mais tinha chegado ali, para trazer os animais.
Assim que os
primeiros raios do sol invadiram minha humilde casa, me levantei e fui correndo
para fora, ouvi uma música tocar e sabia que Tomás estava ali. De fato, ao sair
o encontrei encostado em uma árvore com uma flauta, fui até ele saltitando:
-Onde
arrumou essa flauta?
-Eu fiz. Por
que está tão animada?
Peguei Tomás
pelo braço e saí o arrastando até a cachoeira em que Celina vivia - ela mudou
do lago, depois de conseguir fazer a cachoeira - quando chegamos lá, Celina
estava muito animada, saltando de um lado para o outro por cima da água.
-Celina!
Andressa tem uma novidade para contar.
Ela nos
olhos e veio sorrindo com algo na mão:
-Vejam!
Peixes! Estou tão feliz, tem peixe no meu rio!
-Você
estragou a novidade - eu disse brincando - Era isso que eu contar - virei me
para Tomás porque Celina já não estava prestando atenção - Ontem à noite eu vi
uma corça, ela estava em frente de casa, mas ela me viu e saiu correndo,
acredito que mais alguém tenha chegado aqui, para trazer os animais!
-Ou talvez
eles tenham vindo sozinho - disse ele dando ombros - Você nunca estudou a
origem da Terra? Os animais aparecem logo quando veem o lugar propenso e
habitável!
-Mas estamos
em um lugar mágico! Você trouxe som e Celine a água, eu trouxe vegetação, tenho
certeza que os animais também foram trazidos por alguém!
- Eu estou sentindo
novas vibrações, pode ser de animais ou de uma pessoa.
-Coloque uma
música, tenho certeza que essa pessoa vai ficar curiosa e vai se aproximar.
-Podemos
tentar!
Conseguimos
trazer a atenção de Celina de novo e contamos que achávamos que alguém trouxe
os animais. Ela disse que era possível sim e concordou que ficaríamos dançando
e agindo como se fosse uma festa, a pessoa com certeza se aproximaria.
Depois de
algum tempo, ouvimos barulhos de passos vindo de uma direção do bosque.
Sorrimos e pensamos que nosso plano estava dando certo, porém notamos que os
passos estavam violentos. Tomás parou a música e ficamos atentos olhando para
onde vinha o som, de repente ouvimos um rugido e logo apareceu um urso pardo
correndo na nossa direção. Por instinto nós três começamos a gritar sem parar e
corremos na direção oposta do urso, mas ele era muito rápido e estava nos
alcançando, ou melhor, me alcançando. Eu era mais baixa e mais gordinha, não
corria como Celina muito menos como Tomás que na verdade estava flutuando a
nossa frente:
-TOMÁS!
TOCA UMA MÚSICA PARA ACALMAR ESSA FERA!
-Eu tenho
cara de domador de animais?
Celina
continuava gritando a minha frente sem olhar para trás, apenas lançando rajadas
de água tentando atrasar o urso, eu fazia aparecer algumas arbustos no caminho,
mas isso não o impedia de estar mais próximo de mim. Estava quase sentindo o
bafo do urso em minhas costas, quando percebi que algo caiu entre mim e o bicho
e o animal parou de correr. Eu consegui escapar.
Uns poucos
metros à frente eu me virei e vi um rapaz de frente para o urso, estava com as
pernas afastadas e percebi que seu peito estava estufado e a cabeça erguida, em
posição de imponência. Por ele estar de costas não sei exatamente o que estava
fazendo, mas vi aos poucos o urso perder a fúria e se sentar manso. O garoto se
aproximou e fez um cafuné na orelha do animal, ele olhou para nós com um
sorriso cínico, eu e Tomás estávamos o olhando boquiabertos, depois percebi
Celina se aproximar lentamente, ela já estava a muitos metros à frente quando
percebeu que algo tinha parado o urso.
-Ela só
estava um pouco irritada com a farra que estavam fazendo, mas já disse que
vocês são inofensivos.
-Quem disse?
- Celina deu um passo à frente com a mão erguida em ataque e o animal rugiu
novamente
-Ei! Ei! - O
garoto levantou o braço como para acalmar Celina - Se preferir posso falar para
ela que vocês vão atacá-la.
-Não! -
disse eu e Tomás uníssono - Somos realmente da paz - demos um sorriso amarelo
Celina olhou
para mim depois para Tomás e abaixou o braço que estava em posição de ataque
-Quem é
você? - Celina o intimidou novamente
-Sou Kauã -
ele olhou ela de cima abaixo - belo vestido!
Celina olhou
para si, ela estava ainda com o mesmo vestido de quando a conheci, aliás, todos
nós estávamos com a mesma roupa, porque era óbvio que ali não existia lojas de
roupas e também não sentimos a necessidade de comprar novas roupas. O vestido
dela era longo mas bem fino, de um tom azul claro, talvez por estar molhado,
também marcava seu corpo, acho que por vergonha ela se escondeu atrás de Tomás.
Resolvi me comunicar, porque Celina era muito afrontosa e ela não ia conseguir
nada agindo daquela maneira, e também não ia deixar Tomás porque ele é muito
debochado e imaginei que talvez os dois agiriam como dois machos alfas.
-Eu sou
Andressa, ele é Tomás e ela Celina!
-Muito bom
conhecer vocês, aliás, parecem que estão aqui a mais tempo que eu, visto o
estados das suas roupas, que lugar é esse?
-Imagino que
você tenha achado um certo livro na biblioteca? - eu sorri
-Sim, por
acaso eu estava na biblioteca fazendo um favor a minha irmã, quando ouvi um
barulho nas últimas prateleiras e fui de curiosidade ver o que era. Tinha um
livro aberto no cão e vários outros ao redor e de repente tudo ficou claro e de
repente me vi aqui!
-Você é uma
pessoa bem carismática, contou tudo isso para a gente assim que nos conheceu -
disse Tomás admirado - Para Celine me contar demorou um bom tempo, e a doidinha
aqui - ele colocou a mão no meu ombro - Cismava que estava em um coma e éramos
frutos da imaginação dela.
- Bem, eu
não acabei de chegar e estava me sentindo bem solitário, quando vi pessoas, eu
me empolguei.
A ursa ainda
estava sentada atrás dele comendo umas frutinhas que tinha em um galho.
-Você que
trouxe os animais?
-Eu? Claro
que não, aqui é uma floresta e é óbvio que existe animais! - ele riu cético
-Fala a
verdade, você fala com eles?
-Ok! Eu
percebi que eles me entendiam quando essa lindona me achou e eu disse para ela
ter calma e ela me respondeu que estava calma e só estava procurando um lugar
para dormir, eu achei estranho, mas logo entendi como funcionava, por isso quis
saber que lugar é esse, porque os animais me entendem…
-Porque você
é quem os trouxe! - eu o interrompi e ele me olhou espantado
-Como assim
eu os trouxe? Eu vim sozinho…
-Sim, você
estava na biblioteca e viu o livro, blá, blá, blá - Celine o interrompeu
impaciente - Acontece que aqui não tinha animais, eu cheguei aqui e nem água
tinha, eu trouxe, logo veio Tomás e trouxe o som e a música e então Andressa
trouxe a vegetação, ficamos um bons dias sem ver passarinhos, peixes e … ursos.
-Cada um
aqui tem um dom - eu continuei - Como se aqui fosse um outro mundo em que tudo
tivesse que ser criado do começo, e cada um de nós é responsável por isso -
sorri já que Kauã ficou mudo com olhar cético.
-Há quanto
tempo estão aqui?
-Não
sabemos, eu comecei a contar quando cheguei mas perdi onde eu anotei.
-Vocês
conversam sobre o que? - ele disse meio irritado - É muitos simples descobrir a
quanto tempo estão aqui, é só cada um dizer em que dia encontrou o livro!
-Caramba!
Por que não pensamos nisso?
-Eu vim para
cá dia 25 de junho de 2020 - disse Celine
-Eu também
encontrei o livro nesse mesmo dia! - Disse Tomás surpreso e depois nós quatros
nos olhamos surpresos. Já não precisam dizer mais nada.
VI
Nos reunimos
a beira do pequeno riacho da Celina, estamos comendo alguma frutinhas que colhi
de uma das árvores. Descobrimos que o tempo não passou na nossa vida real, por
mais que sentíssemos que foram meses, isso significava que a qualquer momento
que voltássemos era como se nunca tivéssemos ido embora. Nossas famílias e
amigos não estavam sentindo saudades porque não tinha passado o tempo para
isso. Ao mesmo tempo que fiquei aliviada, me senti um pouco decepcionada, como
eu saberia que Raquel ou meus pais sentiriam minha falta caso eu sumisse? Kauã
estava decidido que não queria ficar ali, era compreensível porque ele não era
um garoto de ficar em um mundo mágico onde não estava a turma dele, Tomás
pareceu indiferente e Celine se animou com a ideia de voltar para casa e
continuar sua vida de onde tinha parado: fazer uma faculdade e construir sua
carreira como engenheira.
-Vocês estão
brincando! Nunca procuraram a saída?
-Nunca
procuramos porque parece óbvio. Se caímos aqui, só poderíamos voltar se
fossemos em direção ao céu! - disse Tomás
Nós quatro
olhamos para o céu no mesmo momento, não parecia haver nenhum portal, a não ser
que…
-Será o sol
o portal?
-Por que o
sol?
-Quando
caímos aqui, foi através de uma luz intensa, a única coisa por aqui que brilha
tanto quanto aquela luz, é o sol! - eu concluí
-É para isso
que serve as nerdizinhas! - Kauã passou a mão na minha cabeça como se eu
fosse uma criança prodígio.
-Tudo bem,
mas se for o sol, como chegamos até ele? - perguntou Celina
-Acho que é
como o sol, não é de fato o sol, então conseguiríamos sair!
-Bem, de
qualquer forma, isso terá que ficar para amanhã, porque o sol já se foi!
O céu estava
alaranjado por causa da claridade dos raios, mas de fato o sol já tinha se
posto. Dei um suspiro, e me levantei:
-Bem, cada
um tem uma missão para essa noite: pensar em uma forma de chegar ao suposto
sol!
Me retirei
sem esperar respostas, e percebi que cada um seguia seu caminho também, eu não
sabia exatamente onde era o recanto de cada um, mas isso não faria diferença,
iríamos voltar as nossas vidas.
Fiquei
durante a noite apenas olhando o céu, estava estrelado, muito estrelado,
parecia que realmente eu estava no próprio universo. Claro, ali não existia
poluição. Ouvi algumas corujas piarem e sorri, era tão diferente agora com as
vozes dos animais. Mas tudo isso acabaria e eu voltaria para minha vida agitada
na cidade, ou melhor, para a minha vida nos livros que lia no meu dia a dia.
Percebi que estava clareando o céu, estava amanhecendo e eu não tinha dormido
nada, mas nem fazia diferença, não sentíamos sono nesse lugar.
Me levantei
disposta e caminhei até nosso ponto de encontro: o riacho da Celina. Me
aproximei e vi que os três já estavam lá e sorriam. Fiquei enciumada por não
saber qual era o motivo e me senti excluída, mas disfarcei quando eles me
viram:
-Está aí!
-Andressa,
cada um de nós já sabemos como chegar ao sol!
-Eu já
flutuo normalmente, para mim não será problema! - Disse Tomás
-Eu pedirei
ajuda de alguns pássaros para me levar, precisará de muitos, afinal não sou
leve, mas já conversei com eles - segui seu olhar e vi um monte de flamingos
-Eu posso
fazer com que a água se condense em uma nuvem e me leve até o sol
Vi que todos
me olhavam empolgados para minha resposta, mas fiquei uns longos minutos em
pânico porque apesar de passar a noite em claro, não pensei em nada.
-Você
controla os vegetais - disse Kauã
-Pode fazer
uma árvore crescer até onde for necessário - disse Celina
-Não sei se
uma árvore pode crescer o suficiente para o sol… - senti que Tomás disse isso
para eu me sentir inferior, mas rapidamente pensei em uma resposta.
-Não se
estiver aqui no nível em que estamos, mas irei até o topo daquela montanha - e
apontei enquanto os três olhavam em direção a minha mão.
- Ótimo!
Vamos todos juntos para lá - disse Kauã - Celine vai segundo o curso do rio,
Tomás vai com os ventos e eu te empresto um cavalo - ele sorriu com simpatia
para mim
-Tudo bem! -
sorri de volta, apesar de que achei que o meu sorriso era muito mais do que um
agradecimento.
Por mais
rápido que fôssemos, a montanha estavam bem distante, e conforme avançávamos a natureza se criava,
era como uma tela sendo pintada com pincel mágico: o riacho ia avançando, a
vegetação e alguns animais que fugiam ou nos observavam quando
passávamos, também acompanhavam a criação. Desaceleramos um pouco, percebemos
que não chegaríamos a tempo do sol estar sobre nossas cabeças, porque ele já
estava, além de que ali não existia tempo, então não teria problemas passar
mais um dia:
-Vamos
descansar um pouco? - sugeriu Celina
-Eu
concordo, apesar de que não fizemos esforços nenhum, o Jony e Samira estão
casados.
-Quem é Jony
e Samira? - perguntou Tomás flutuando em nossa direção
-Os cavalos!
-Agora o
malandrinho da cidade entende de cavalos.
-Não
Einstein, como você mesmo disse, temos habilidades aqui, e eu me comunico com
os animais.
Sentei em
uma rocha a beira do rio e Celina sentou em uma que estava no rio. Os meninos
se aproximaram e sentaram cada um de um lado.
-O que
faremos enquanto os pobres animais descansam?
-Podemos
comer! - eu sugeri
-Ótimo, preciso
estimular minhas papilas gustativas - disse Tomás se levantando - Vem comigo
pegar as frutas, Celina?
Ela saiu da
água e os dois adentraram na floresta. Eu fiquei com Kauã em um silêncio em que
conseguíamos apenas ouvir a água do rio seguir seu curso e algumas aves piando
escondidas nas árvores. Olhei pela lateral do meu olho para ele para que não
percebesse que eu o estava olhando, que estava deitado na grama de olhos
fechados, parecia estar aproveitando o calor do sol.
-Você parece
gostar daqui, quer mesmo ir embora? Sabe, o tempo não passa e a qualquer
momento que voltar, é como se nada tivesse acontecido.
Ele abriu os
olhos, levantou o tronco mas continuava deitado, agora olhava para mim com um
sorriso que deixou minhas bochechas com rubor.
-O que eu
faria aqui? Aqui não tem meus amigos, não tem o meu skate, não tem games
- ele me encarou, agora estava sério - Você quer ficar aqui?
-Eu não
fazia muita coisa no mundo real, só tenho uma amiga, a Raquel, e passo a maior
parte do meu tempo lendo - suspirei e encarei a água sem realmente estar
olhando para ela - Apesar de não termos muito o que fazer aqui, eu me senti bem
na presença de Tomás e Celina, o que vivemos aqui foi real e divertido.
-Entendo,
mas isso não precisa acabar quando voltarem para vida real, vocês podem
continuar amigos.
-Não será a
mesma coisa, Celina está focada em entrar na faculdade, Tomás leva uma vida hipster e sei lá, ele é mais velho, não
acho que queira passar um tempo com uma adolescente que gosta de ficar
lendo.
-Ah - ele
levantou e veio na minha direção e passou o braço pelo meu ombro e acariciou
meu cabelo - não fica assim pequena, você pode ficar aqui.
-Sozinha?
Antes dele
dizer alguma coisa Tomás e Celina voltaram com os braços cheio de frutas e
rindo. Sentaram perto da gente e colocou na nossa frente.
-Que fofo
vocês dois! - disse Celina
-Eu estava
pensando - comecei a falar para eles não focarem no fato de Kauã estar
acariciando minha cabeça - Perceberam como a floresta, o rio e os animais se
expandiram muito mais do que fizemos enquanto estivemos aqui?
-Sim - disse
Tomás como se falasse o óbvio - Começamos, mas a natureza se encarregou de se
propagar sozinha.
-Acho que é
mais um motivo para voltarmos nossas vidas - disse Kauã enquanto mastigava de
boca aberta
-Seu mal
educado! - disse Celina o repreendendo e rindo ao mesmo tempo
Passamos um
tempo ali, os cavalos estavam pastando logo atrás da gente e ficamos contando o
que fazíamos na vida, eles na verdade, porque minha vida não tinha nada de
especial, o que eu podia contar era enredos dos livros que li. O sol já tinha
ido embora, e estávamos sob o céu estrelado de novo. Deitamos os quatro na
grama, e ficamos a observar o céu enquanto ainda falávamos sobre sentimentos e
objetivos.
-Acho que é
uma boa hora de você voltar para a vida, Andressa, e mudar sua rotina, fazer
algo mais audacioso
-Concordo -
disse Celina, ela estava deitada do meu lado, e virou na minha direção e
começou a acariciar meus cabelos, senti minhas bochechas ficarem quentes - Kauã
só é um ano mais velho que você, e já fez tantas coisas
-Você
poderia ensinar algumas coisas a ela Kauã - provocou Tomás
-Quem
sabe!
Depois
disso, ficamos calados ainda observando o céu, e senti uma brisa arrepiar meu
corpo.
-Você está
sentindo frio? - perguntou Celina
-Por quê?
Ela sorriu e
olhou para meu braço que estava todo arrepiado. Eu sorri de volta para ela que
não tinha como dizer que não. Ela se aproximou de mim, senti seu corpo quente
do meu lado direito, ela passou o braço na minha barriga e apoiou a cabeça no
meu ombro.
-Ela está
com frio, Kauã!
Sem dizer
nada, ele se aproximou do meu lado esquerdo e passou o braço por cima de mim,
como ele era mais alto, eu acabei apoiando a cabeça em seu ombro.
-Também
quero ficar aquecido!
Provavelmente
ele abraçou Celina, porque ele estava do lado direito dela. Depois disso apenas
ouvi a respiração regular de cada um, não sei se dormiam, mas me senti acolhida
e relaxei, em alguns segundos adormeci.
VII
Senti o
calor do sol na minha pele e abri os olhos lentamente por causa da claridade.
Celine ainda estava sobre mim e Kauã também, parece que nem se mexeram durante
a noite, apenas perguntei:
-Estão
acordados?
-Sim! -
disse os três juntos
Eles se
afastaram de mim e levantaram agindo como se o que acabávamos de fazer era
muito natural. Apenas sorri. Ótimo, voltaríamos para nossa vida real, e eu
agiria como se nada daquilo tivesse acontecido. Não veria mais nenhum deles,
mesmo que trocássemos números ou seguíssemos um ao outros nas redes sociais,
nada chegaria perto da intimidade que tivemos essa noite. E isso seria o mais
perto de algo íntimo que eu teria com um garoto por pelo menos uns 10 anos.
Celina foi
para água, Tomás começou a flutuar e Kauã montou o cavalo e esperou que eu
subisse no outro. E lá estávamos nós a caminho da montanha. Não era uma
montanha difícil como vemos em filmes de escaladas, e subimos - exceto Tomás -
escalado cada vez mais alto a montanha. Não tínhamos corda, mas Tomás se
comprometeu a segurar se alguém escorregasse. Demorou um tempo até que chegamos
no topo. Durante o trajeto não falamos nada, só de vez enquanto uns
"cuidado" ou "está tudo bem" ou então "estamos chegando,
só mais um pouco".
O Sol não
estava a pino ainda quando chegamos no topo, estávamos cansados e ficamos
sentados observando agora do alto o lugar onde estávamos: era lindo. Tinha
árvores de diversas espécies, e víamos o primeiro lago cristalino da Celina. O
Céu era azul celeste, víamos bandos de pássaros voando, os outros animais era
difícil devido a distância que estávamos, mas sabíamos que estavam lá,
vivendo.
-Vou sentir
saudades. - disse Celina
-Você não
precisa ir.
-Não
preciso, mas quero! Quero fazer a faculdade, conhecer pessoas…
-E eu? -
percebi que apesar dele estar rindo, Tomás sentiu medo de ser esquecido.
-E você?
Espero que comece uma faculdade como eu, e assim poderemos ficar juntos!
-Você é
muito exigente!
-Aliás, você
ficou nos devendo de contar sobre como achou o livro, aventureiro!
-Nada demais
- ele riu como se contasse uma piada - Fiz esse mistério para deixarem
curiosas, mas na verdade, minha mãe trabalha lá…
-Teresa? -
eu o interrompi
-Ela mesmo,
e de vez em quando, quando não estou viajando, ajudo ela na organização da
biblioteca, e bem nesse dia, achei o livro.
-Agora que
me falou, vejo semelhança entre você e dona Teresa - eu sorri e ele apenas
sorriu de volta.
-Será que
tudo o que fizemos por esse lugar continuará ou assim que sairmos, voltará a
ser o lugar antigo?
-Nós veremos
- disse Kauã - mas qual é a diferença? Não estaremos mais aqui.
-É só que
tive um apego aqui - Celina sorriu sem graça
O Sol agora
estava mais alto, e nós quatros nós levantamos.
-É a nossa
deixa, quem vai primeiro?
-Eu! - nesse
momento Tomás começou a flutuar tão rápido, era como se voasse, mas ele não
tinha asas, e logo desapareceu, ou a claridade não deixou a gente ver onde ele
estava.
Um bando de
pássaros rosas chegou voando e Kauã subiu em um e apoiou em dois ao lado,
depois subiram para o sol. Eu e Celina esperamos um pouco e depois vimos os
pássaros voltarem sem nada sobre eles.
-Acho que
essa é a prova de que o sol realmente é o portal - Celina sorriu para mim
-É, e também,
visto que Tomás saiu e continuamos escutando o som e os animais continuam mesmo
sem Kauã, acho que esse lugar se manterá sozinho.
E então a
água da nascente começou a mover em direção a ela, formou nuvens pequenas, e
depois ela subiu - como se fosse possível, mas ali as coisas funcionam com
magia, então foi possível. Logo depois a água caiu como chuva sobre as árvores
que estavam lá. Agora era minha vez: pensei na árvore mais alta que conhecia: a
sequoia, toquei o chão e logo vi nascer um broto que logo tornou-se muda, e foi
crescendo, rapidamente subi e continuei a influenciando para continuar subindo,
parecia que o Sol ainda estava muito longe quando de repente me senti ser
sugada e tudo ficou muito claro, dessa vez me contive e não gritei, e depois senti
bater em algo duro: era o chão da biblioteca.
Celina,
Tomás e Kauã estavam me olhando ansiosos:
-Você
conseguiu! - Celina sussurrou enquanto me abraçava
-Todos nós -
eu disse, apesar de agora estar de volta a minha vida, eu me sentia vazia,
porque voltaria a minha vida sem graça, mas era a coisa certa a se fazer, eu
não ficaria naquele mundo mágico sozinha esperando até outra pessoa cair nele.
-Gente, eu
sei que fui um pouco irritante, principalmente contigo - Tomás disse me
abraçando - mas eu gostei muito de toda essa aventura, jamais esquecerei vocês!
-Won seu
fofo! - Celina abraçou ele - Obrigada pela experiência que me deram, eu estava
bem chateada no começo, mas depois tudo ficou muito bom, sentirei saudades,
menos de você - ela disse apertando a bochecha de Tomás - você virá comigo para
começar uma faculdade!
-Adeus! -
disse os dois se afastando enquanto trocavam carícias para o mundo em que eu
jamais os veria novamente.
Olhei para
Kauã que me olhava sorrindo com se eu tivesse contado uma piada. Eu fiquei
seria e peguei o livro caído no chão, o abri com cuidado e vi a primeira página
escrita:
"Um
lugar remoto, onde não há vida e somente o solo árido e uma pequena lagoa. Não
há nenhum som, o lugar é morto, que aos poucos foi se tornando completo. Esse
lugar já havia sido esquecido, mas criou-se vida, tornou-se belo, e tudo o que
imaginar de natural e pura há.
O que é mais
importante desse lugar, é o amor que nasceu ali…"
Olhei para
Kauã que lia por cima do meu ombro e perguntei:
-Esse amor
será que refere-se a Celina e Tomás?
-Acho que
não, refere-se a amizade que cresceu ali, com todos nós.
Refleti um
pouco, e depois o coloquei de volta da estante, depois arrumei meu cabelo e o
olhei:
-Adeus? –
sorri. Era óbvio que eu não queria que acabasse ali, mas também não queria
impor nada a ele, e com certeza eu não o pediria para ficar.
-Ná! - ele
passou o braço sobre meu ombro me fazendo o acompanhar para fora da biblioteca
- Você vem comigo, está na hora de conhecer o mundo fora dos livros!
Texto: Lucy Batista
Imagem: Disponível no site Espaço Cognita
Comentários
Postar um comentário