Conto: A ÚLTIMA CONVERSA

Na varanda do quinto andar, sentada em uma cadeira de balanço, com as pernas coberta por uma manta azul, ela estava a observar o céu azul. Passava um bando de pássaros, pela distância foi não foi claro saber qual espécie.
Então percebe alguém se aproximar, mora sozinha, mas não se preocupa em olhar para ver quem se aproxima, continua a balançar e olhando para o horizonte pergunta:
-Imagino que chegou no momento certo.
-Como se sente, Dora?
-Bem, como todos os dias foram, nada de diferente, uma rotina tranquila…
-Se sente realizada?
-Não… me faltou conhecer alguns cantos do mundo, isto é: se há cantos no mundo. - risos
-Quais lugares, Dora?
-As cidades históricas da Europa, a cultura da Ásia, as paisagens da América, os perigos da Oceania e sobrevivência da África - ficou um momento pensativa - O frio da antártica já não esperava conhecer mesmo.
-Não verdade, você não saiu dessa cidade, Dora…
-Sim, me faltou colhão. Dinheiro eu poderia ter juntado, mas preferi garantir o futuro dos meus filhos… 
-Não adiantou muito também.
-Os filhos raramente seguem os planos dos pais, mas sinto que minha parte cumpri.
-Quanto aos lugares, sabe que vai conhecer muito mais. Sentirá falta deles?
-Falta já sinto, talvez sentirei mais saudade.
-sabe a diferença, Dora?
-Ahh... minha cara, saudade é um sentimento bom, relembramos momentos com uma pessoa que não temos mais ao nosso lado, mas sabemos viver com isso. A falta? É como se não conseguíssemos seguir em frente.
-Quando foi a última vez que saiu desse apartamento?
-Há meses. Mas eu tô bem, contemplei o mundo pela TV, aquela bela tela retangular que nos passa a falsa sensação de que estamos seguros.
-Você não reclama de nada?
-Talvez das dores que sinto nas juntas, sabe? Já não são as mesmas.
-Não sentiu falta de conversar com alguém?
-Conversei muito comigo mesmo, outrora com minha vizinha Clotilde, ela é sozinha também, mas tem uma cadelinha que lhe faz companhia.
-E você não teve vontade de um companheiro de quatro patas?
-Ah minha cara, depois que você vê eles nascerem, crescerem, adoecerem e morrerem três vezes, seu coração não aguenta passar pela quarta. 
-Lembra deles?
-Com certeza, com muita saudade, Tito foi meu primeiro vira lata, nós dois crescemos juntos e brincamos juntos, mas um dia ele se foi, nunca mais o encontrei. Dizem que quando um animal de estimação vai morrer, eles partem para seus donos não sofrerem.
"Kitina era uma gatinha siamesa. Muito brincalhona quando filhote, mas logo ficou preguiçosa e só gostava de carícias, mas foi bom, porque eu já não tinha o vigor para brincadeiras, e um dia ela estava amuada e chorosa, levei ao veterinário e descobri que a envenenam, a sacrifiquei para menos sofrimentos, mas não foi nenhum pouco fácil."
"Baltazar foi meu primeiro cão de raça, labrador, era grandão e abobalhado, eu adorava fazer carinhos nas orelhas, nessa época, Fernando era criança e ele se aproveitava muito de Baltazar, mas ficou doente e levei várias vezes ao veterinário, não resolveu, certo dia, ele estava frio em sua casinha.
-Você sabe que …
-Não me console, eu já sei onde estão, prefiro acreditar que sei onde estão, no céu dos bichos, brincando muito. Ora, não me olhe assim, deixa eu acreditar nessa fantasia.
-Não disse que era fantasia.
-Por muito tempo eu não pensei no que acontece com os animais quando partem, agora que pensei, quero pensar o melhor.
-Você se arrepende de algo que fez?
-Não, as coisas das quais me arrependo são tão insignificantes que nem consigo enumera-las agora para você.
-Isso é ótimo, Dora, é um caminho andado para a próxima jornada.
-Falando nisso, você demorou. Há dias que te aguardo, observei tanto esse céu que até consigo mapeá-lo.
-Não deveria ter pressa de me encontrar, Dora.
-Eu sei, mas como eu disse, há meses que não faço muita coisa…
-Você conhece Clotilde, mas porque não conheceu Agenor? Felícia? Os gêmeos do segundo andar?
-Não era o momento de conhecer alguém. Nós temos que conhecer pessoas quando somos jovens, porque dá tempo de categorizar.
-Categorizar?
-Sim, pessoas que são confiáveis, as que são apenas companhia de festas, pessoas de fofocas, pessoas para desabafar, pessoas para relacionamentos duradouros, pessoas de apenas uma noite… e assim vai.
-Acha certo isso, Dora?
-Ora! Não me repreenda, certo não é, mas é a realidade, se não, nos ferimos, nos magoamos ou nos decepcionamos. Temos que ser espertos e seletivos, isso ajuda na saúde mental.
-Então se só via a companhia de Clotilde, ela era tudo isso?
-Não, Clotilde era a companhia para nostalgia e - risos - fofocas. Nessa época, como não fazemos nada, então falamos da vida de quem faz.
-Ora! Ora! Deveras lembrar que quando era jovem não gostava da sua vizinha que falava de sua vida.
-Pois é, hoje eu a compreendo, somos velhas coitadas que não conseguimos nos divertir com as coisas de jovens, então improvisamos.
-Falando nisso, Dora, sua juventude, como foi?
-Teve várias fases: quando adolescente eu era correta, era orgulho dos meus pais, na escola era seletiva e meus amigos eram como eu, estudiosos e maduros. Quando fui para faculdade continuei, mas no último ano, cansada de ser certinha, conheci uma turma que me mostrou a libertinagem, não deixei os estudos, mas frequentei muitas baladas, provei várias bebidas e travei a coluna de tanto dançar.
"Mas aí, conheci Guilherme, era torto como eu, mas nos juntamos e decidimos tomar um rumo na vida, foi aí que formamos uma família."
"Não foi fácil, divergíamos em muitas opiniões, mas aguentamos firmes. Na verdade, pensamos várias vezes em desistir, mas superamos.
-Foram muitas coisas, eu sei, passaríamos horas falando sobre esses conflitos.
-É… durante essa semana eu relembrei muitas coisas. Quando fiquei grávida, passei por uma conturbação psicológica, me achava feia e comecei a perseguir Guilherme achando que ele me traía, se me traiu mesmo não sei, mas não faz mais diferença. Depois Fernando nasceu e eu vivi apenas para ele, todo meu mundo se tornou o Fernando. Deixei minha carreira… - suspiro longo - E aí veio Eliana… a casa ficou agitada, e por mais que eles deixassem tudo de perna para o ar, antes de dormir eu sorria e agradecia.
-Muito bem, Dora, você sabia das bênçãos que tinha, aliás, ainda tem.
-Sim, eu sei.
Ficou um silêncio por dois longos minutos.
-Está vendo o crepúsculo? É hora de irmos.
-Ah sim, claro. Nessa semana ansiei muito para partirmos. Estava na hora.
-Quem está partindo é você, Dora.
-Ah é, claro.
As duas se levantaram e seguiram para dentro do cômodo da sala que estava escuro. Mas na cadeira de balanço, estava Dora, com o olhos fechados e o semblante sereno.

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