TESTEMUNHA
Sempre gostei da vista que eu tinha da
sala de estar da minha casa. De todos os cômodos, o que mais passo meus
momentos é essa sala. Ela tem um vitral que vai do teto ao chão, dando toda
iluminação para o cômodo e para quase a casa toda, se não fossem as paredes. Eu
decorei de uma forma aconchegante, com cortinas grossas caso o dia nos
surpreendesse com algum sol escaldante, o que era bem difícil, porque a vista
era de um bosque e mais ao horizonte se via o lago. Meus vizinhos ficam a quase
500 metros de distância. Quando me mudei, minha família me perguntou porque um
lugar tão isolado? Eu disse que eu gostava da paz e tranquilidade que a
natureza trazia. Eu ainda não fazia ideia que ela também poderia trazer
angústia e terror, caso uma pessoa errada fosse para lá.
As cortinas raramente eram fechadas,
dias chuvosos também são lindos de serem vistos. A sala é composta com uma
lareira rústica de tijolinhos e tem um estofado verde bem aconchegante, nos
espaços que sobraram, ficam algumas mesinhas sempre com livros e xícaras de
café.
Minha rotina era acordar, tomar um
banho de espuma com visão para o gramado. Tomar café da manhã com pão de queijo
assado na hora e pão caseiro do dia anterior. Passava as manhãs na minha sala
preferida lendo algum livro olhando o lago e só depois saia com meu carrinho
para o trabalho, que ficava a quilômetros dali. Não me incomodava a distância,
era essa a intenção. Ficar longe do lugar que eu fazia o que gostava, porém as
pessoas o deixavam tóxico.
Como todo dia, acordei, tomei meu banho
relaxante, lavei meus cabelos e os deixei secarem com vento. A mesa estava
posta - eu não vivia totalmente sozinha ali, Anabel ia todas as manhãs preparar
o café, manter a casa em ordem e o jantar para quando eu chegasse. Quase sempre
conversávamos sobre a mesma coisa e hoje não foi diferente:
-Ontem passou na TV que um piromaníaco
colocou fogo em um morador de rua, você viu?
-Não! - eu respondi espantada - Que
absurdo! Cada dia que passa tenho menos vontade de ver os noticiário.
-Pois é, o morador de rua sofreu
queimaduras de segundo e terceiro grau, não resistiu o coitado. E era novo,
tinha 39 anos!
- Nem quero mais saber! - eu levantei a
mão em um basta - Desculpa, mas essas notícias me angustia - ela como boa
companheira parou de falar sobre o assunto e ficamos em silêncio, ouvindo
apenas os passarinhos se agitando na árvore, então uma curiosidade me fez
quebrar o silêncio - Pegaram o piromaníaco? Ele está preso pelo menos?
Ela deu de ombros. Não sabia,
provavelmente não tinham pego. Terminei meu café agradeci Anabel e saí. Anabel
sempre me falava as notícias, e eram sempre ruins, tragédias ou crimes
inimagináveis, mas dessa vez, aquilo ficou me incomodando. Eu liguei o rádio do
carro para tentar me distrair, mas fiquei imaginando aquele crime, ora me
colocando no lugar da vítima, imaginando o quão terrível sentir o corpo
derretendo ao fogo, ora tentando me colocar no lugar do criminoso, o que
poderia me fazer colocar fogo em um ser vivo. No trabalho não foi diferente,
durante toda minha jornada, fiquei matutando aquela notícia, meus colegas
estavam o tempo todo perguntando se eu estava bem, talvez porque eu deveria
estar com a cara de preocupada ou aterrorizada. Sempre respondia que sim, e não
quis compartilhar aquela barbárie com eles, mas não demorou muito até alguém
comentar sobre esse crime, e tive que aguentar ouvir mais detalhe sobre o
ocorrido, e cada vez me angustiava mais.
Voltei para casa, mudado de rádio em
rádio para me distrair. Quando finalmente cheguei em casa, Anabel já tinha ido,
como de costume, deixava um recado sobre o jantar. Dizia que tinha feito kiche
e que era para eu trancar bem as portas porque o piromaníaco ainda estava a
solta. Me percorreu um arrepio e joguei o bilhete no lixo.
Apesar daquela sensação estranha, a
noite estava bonita, poucas nuvens no céu, a lua estava cheia e brilhava muito.
Sentei no sofá enquanto comia o kiche e fiquei olhando para a noite, foi quando
vi um carro chegar e parar em frente a minha casa, só que do lado onde dava
para as árvores que ficava entre a rua e o lago. Saiu do carro um casal,
pareciam bem, apesar da distância, consegui ver que sorriam, depois vi os dois
descerem em direção às árvores. Bufei já sabiam que iam fazer, virei para a
mesinha e peguei um livro, comecei a ler e percebi um som que parecia ser
gritos. Franzi o senhor e observei para ver se conseguia entender o que era.
Levantei e fui para perto da janela, vi que saia uma fumaça dentre as árvores,
vi apenas o homem entrar no carro e sair em alta velocidade. Nessa hora veio um
inside na minha mente. Corri para a porta com a manta que estava jogada
no sofá, nem me preocupei em fechar a porta enquanto corria em direção às
árvores. Os gritos estavam mais altos e mais agonizantes, quando cheguei no
local da fumaça, ela estava amarrada na árvore, em chamas, joguei a manta para
apagar as chamas, parecia que ainda era insuficiente, retirei meu casaco e
também a cobri, ela não gritava mais, estava quieta. Não sabia se tinha
desmaiado ou morrido, mas vi a bolsa dela no chão, peguei o celular e
rapidamente liguei para polícia. Duas horas depois, aquela rua estava cheia de
viaturas e ambulância, e lá estava eu a caminho da delegacia para dar o
testemunho e o retrato falado.
VÍTIMA
Eu usava aqueles aplicativo de
encontro. Algumas amigas minhas se divertiam das histórias que eu contava das
pessoas que conhecia lá, outras me advertiram, para eu tomar cuidado, mas eu
sempre dizia que eu tomava muito cuidado, que podiam ficar tranquilas, eu tinha
cautela, o primeiro, o segundo e o terceiro encontro eram sempre em lugares
públicos e eu conversava muito para conhecer as pessoas, além de stalkear nas redes sociais, para
conhecer o lado que os homens geralmente omitem.
Mas não sei porquê dessa vez eu
vacilei. Acho que foi castigo do universo, afinal, nunca mais conseguirei fazer
isso de novo.
Moro sozinha em uma kitnet no centro da
cidade, minha família mora no interior, vim à cidade grande para estudar e
curtir a vida, afinal no interior eu praticamente conhecia todo mundo, como eu
iria usar os meus aplicativos de encontro. Fazia uns três dias que estava
conversando com Patrick, seu perfil no aplicativo era chamativo, além da
aparência bonita, mostrava ser um homem culto e de boa índole, e durante essa
semana que conversei com ele, Patrick me passou confiança, além de que nas
redes sociais tudo o que ele me dizia se confirmava lá.
Nesse dia, eu voltei da faculdade e
estava disposta a ficar deitada o restante do dia apenas assistindo séries.
Estava inclusive já de pijama, quando recebi a notificação de mensagem dele:
"Hoje está um dia tranquilo, o que
acha de nos encontrarmos à noite?"
Eu pensei, olhei automaticamente para o
vitral e o dia estava realmente bonito, provavelmente a noite também seria,
respondi:
"Ok. Nos encontramos no
Pack's"
Pack's era um barzinho bem movimentado,
era nosso primeiro encontro, então como a minha regra de segurança, marquei o
encontro lá.
A noite chegou, coloquei uma calça
cintura alta e um cropped, com um sapato de salto, fiquei com receio dele ser
baixo, mas se fosse, ia curtir a noite e depois rir com minhas amigas. Deixei
os cabelos soltos, porque a noite estava fresca. Chamei um Uber e fui para o
lugar combinado. Estava movimentado, como eu esperava, foi até difícil achá-lo,
e ele estava lá, como nas fotos, olhando distraído enquanto bebia alguma coisa
que em breve eu descobriria. Quando me aproximei, ele percebeu e sorriu
enquanto se endireitava na cadeira, sentei em frente a ele, já empolgada porque
ele realmente era quem se mostrou no aplicativo.
-Tatiana.
-Patrick. Você está bem, Tati? Posso te chamar assim?
-Claro. Estou bem sim e você?
-Bem. Vou pedir um drink para você.
Ele chamou um garçom que passava perto
da gente naquele momento e fez o pedido.
-Gostei do lugar, nunca tinha vindo, ótima escolha, Tati. - ele sorriu
-Eu conheço o lugar, venho bastante aqui, sabia que seria uma boa
escolha. Como foi o trabalho hoje?
-Hoje foi mais tranquilo que o normal, a faculdade está bem?
O garçom colocou no centro da mesa o
drink, e eu rapidamente o peguei, virando um gole com elegância.
-Sim, hoje tive menos
aulas e aí foi melhor para descansar.
Ele colocou a mão sobre a minha
enquanto dava um sorriso sutil.
-Estava ansioso em te conhecer
-Confesso que por vários momentos achei que você fosse fake.
-Fake? - ele riu - por quê?
-Parecia muito perfeitinho.
-Que pena que pareci perfeitinho - ele falou de um jeito baixo e sexy.
-Mas agora me parece perfeito.
-Perfeito? - percebi o ego dele inflar e rapidamente corrigi - perfeito
para o momento.
-O que acha desse momento? Pode ficar melhor? - ele estava se
aproximando de mim
-Claro. - nesse momento ele já estava apenas um cinco centímetros do meu
rosto, então eu avancei e nos beijamos
Eu rio hoje, é inacreditável de
como aquele momento parecia tão mágico, ainda mais para mim, que sempre fui pé
no chão e nunca acreditei em conto de fadas. Mal sabia que estava a caminho de
um conto de terror.
Quando nos afastamos ele sugeriu que
fôssemos para um lugar reservado. Eu aceitei, já confiava nele. Saímos do
Pack's e o carro dele estava apenas alguns metros da entrada.
-Vamos de carro? Que lugar reservado é esse?
-Um lugar muito bonito, sei que vai gostar.
Assenti e entrei no carro. O caminho
foi um pouco longe, mas só desconfiei disso depois de um tempo, porque acabei
me distraindo com ele. Patrick colocou algumas músicas anos 80 e 90 e ficou
cantando no carro, parecia até que éramos íntimos, eu achei aquilo engraçado e
acabei entrando no embalo, nisso ele me falou de alguns grupos musicais e de um
acontecimento de que ele quase acabou em um grupo de Jazz.
Quando chegamos, eu hesitei em sair do
carro e provavelmente eu fiz alguma cara estranha porque ele me perguntou:
-Está preocupada? - eu apenas o olhei fica tranquila, tem uma casa aqui
em frente, não estamos no meio da nada.
Eu olhei para a casa que era bem grande
e percebi por um vitral que tinha uma mulher nos observando.
-Por aqui - ele me estendeu a mão e me conduziu por meio das árvores - vou
te mostrar uma vista bonita nesse horário.
Passamos por algumas árvores e logo
chegamos na margem do lago, realmente a vista era muito bonita, como não tinha
postes de iluminação, o luar refletiu na água do lago e foi possível ver
algumas estrelas. Ele sentou no chão e estendeu o casaco ao lado dele, depois
deu dois tapinhas pedindo para sentar ao lado dele. Eu sentei e ficamos
admirando a vista em silêncio, até ele quebrar.
-Gosto desse contato com a natureza, às vezes a cidade nós sobrecarrega
demais e precisamos trocar as energias.
-Concordo que é realmente bom, apesar de que eu raramente faço isso, a
não ser quando vou visitar minha família no interior - falou sem desviar os
olhos do lago.
Percebi que ele estava me olhando e o
olhei, nossos olhares ficaram assim por alguns longos segundo e depois nos
beijamos. Foi um beijo lento e doce que aos poucos foi acelerando. Nos
afastamos um pouco e ele me olhou com desejo, mas algo estava estranho, eu
percebi o brilho dos olhos deles se transformar em algo… sombrio? Ele estava me
olhando com desejo, mas esse desejo se transformou em algo que eu nunca tinha
visto antes, parecia animal. Eu me afastei franzindo o cenho, pois achei
estranho:
-O que foi? - perguntei antes de sentir uma pancada forte na cabeça.
Minha vista escureceu, eu automaticamente coloquei a mão onde senti a forte
pancada e senti algo viscoso, hoje sei que era sangue, e não vi mais nada.
Eu perdi a consciência e voltei quando
senti um calor muito forte, um calor que areia sobre minha pele, estava me
sufocando e então eu consegui enxergar, ele, Patrick estava na minha frente, me
encarando com aquele olhar animal e um leve sorriso. Eu percebi que estava em
chamas e o desespero me fez gritar, não sabia o que gritava, eu não conseguia
sair daquelas chamas, eu estava amarrada, eu não conseguia fugir, as lágrimas
estavam secando rapidamente com o calor, eu já nem sentia mais dor, apenas o
desespero, eu estava sentindo a morte. E o vi se afastar, correndo, fugindo
como covarde. Continuei gritando e vi uma pessoa se aproximar, já não sabia
quem era, se era ele novamente, se era alguém vindo em meu socorro, senti um
manto cair sobre mim, mas meu corpo já não respondia ao meu cérebro, já tinha
deixado de sentir dor e sentir tudo. Então tudo ficou escuro.
Acordei em um quarto branco, toda
enfaixada, observei o lugar com dificuldade, provavelmente minha visão não era
a mesma, e vi que era um hospital. Estava viva, estou viva, apesar de que nunca
mais serei a mesma.
CRIMINOSO
Eu sou o filho caçula da minha família,
quando criança, meus irmãos mais velhos não gostavam que eu ficava junto com
eles porque os atrapalhava e eles não queriam tomar conta de mim, então ficava
com minha mãe, maior parte da infância foi na cozinha, ao lado dela. Ela sempre
estava cozinhando, quando não era as refeições, estava inventando alguma nova
receita de guloseimas. Eu sempre ficava perto do fogão, ficava admirando as chamas
azuis aquecerem as panelas, minha mãe me advertia, dizendo que era perigoso
criança perto de fogão, mas como ela estava ocupada mexendo a comida, não podia
me tirar de lá. Certa vez, enquanto ela estava procurando algum ingrediente na
geladeira, e com isso estava de costas, deixou uma das bocas do fogão acesa.
Fiquei ali olhando e admirando como as chamas dançavam com o oxigênio, aquelas
chamas estavam me hipnotizado e sem perceber, fui me aproximando e coloquei a
mão sobre a chama, perto demais, gritei com o susto e minha mãe olhou na hora
me advertindo, ela ficou quase o dia inteiro brigando, dizendo que falou mil
vezes para eu não ficar perto do fogão, apesar de que eu não me machuquei, ela
se sentia culpada, e tentava aliviar a culpa falando que foi eu. Depois daquele
dia, minha obsessão por chamas não diminuiu, parecia que tinha aumentado, eu
queria sentir aquele calor novamente, e sempre que ela se distraia, eu passava
a mão rapidamente pela chama, às vezes eu pegava o isqueiro, e de noite, em
minha cama fazia o mesmo.
Com o tempo, fui crescendo e comecei e
ver o fogo em outros objetos, comecei a queimar papel, gravetos, e na escola
quase sempre ia na diretoria porque coloquei fogo na lixeira. Não adiantava
confiscar meus isqueiros que eu sempre arrumava outro.
Minha mãe me levou no psicólogo por
recomendação da diretoria do colégio, mas eu falava sobre qualquer coisa com o
analista, menos sobre como eu me sentia em relação ao fogo, porque eu gostava
daquela sensação de ver as chamas consumindo a matéria, eu gostava das aulas de
química por causa que no laboratório tinha o bico de bunsen, e sempre
acendia para meu grupo ou para as outras pessoas que tinham medo. E tinha
receio do analista me passar algum remédio que me tirasse esse prazer do fogo.
Mas começou a ficar perigoso, certo dia
causei incêndio no jardim do vizinho e fui parar na delegacia. Depois desse dia
fui diminuindo meu contato com o fogo, adimiti para o analista e comecei a me
tratar referente a isso.
Já fazia anos que tinha parado de
"brincar" com o fogo. Me formei na faculdade sem causar nenhum
incêndio e agora, no meu emprego, meus colegas nem sabia desse vício. Me tornei
uma pessoa "normal", comum e civilizado aos olhos da sociedade. Até
aquele dia. Depois de um happy hour, eu estava bem alterado, ainda não
tinha me arrependido de ter exagerado, mas com certeza no dia seguinte ouviria
minhas proezas de bebum, só não espera que essas proezas sairiam no jornal.
Estava cambaleando pelas ruas desertas com uma garrafa de vinho na mão, ora se
apoiando nas paredes, ora nos carros, que por sorte não acionaram o alarme, ou
se soaram, eu não percebi. Quando passei por um homem alto e bem magro, com
olhos fundos e arroxeados em volta, estava com um cigarro na boca, e o que me
chamou atenção foi a pequena chama que estava na ponta, fiquei encarando a
pequena chama, e todo o flashback dos momentos que tive com o fogo
passaram em minha mente. O rapaz me ofereceu, achou que eu fumava, mas eu
agradeci e continuei andando. Não havia fogo, não havia chama nem calor, mas
para tudo que eu olhava, minha mente imaginava sendo consumido pelo fogo, até
que me deparei em uma esquina, um morador de rua dormindo, apesar de estar em
péssimas condições, sobre um papelão e sem cobertor, dormia sereno, e minha mente
perturbada ficou imaginando o fogo o consumir, tentei por várias vezes afastar
aquela vontade que só crescia, e no momento de insanidade, joguei todo o álcool
sobre ele e joguei o isqueiro que estava sempre em meu bolso. Não demorou muito
para o pobre homem acordar, vi seu olhar de desespero em meus olhos, mas fiquei
parado apenas observando as chamas o consumirem, ouvi seus gritos como pano de
fundo, mas logo sei por mim, e ouvi janelas sendo abertas e pessoas falando
coisas que não me lembro mais. Corri. Eu voltei minha sanidade, mas tinha
cometido um crime e não podia ficar ali. As pessoas ajudaram aquele pobre
homem, assim eu esperava. Dias depois, pelo noticiário na TV, soube que o
morador havia morrido. A culpa me corroeu, mas por fora eu mantinha as
aparências, e quando algum colega comentava sobre, eu fingia espanto e
indignação. Mas logo o assunto aquietou. Era um morador de rua, infelizmente as
pessoas não se atentam ou se sensibilizam pela morte de um.
Em paralelo com esse incidente, eu
estava conversando com uma garota que conheci por aplicativo de namoro, acho
que assim que fala, a maioria das pessoas falam que sou muito bonito, mas nunca
fui bom em paquera, então resolvi tentar por aplicativo, às vezes conversando
através de um celular e não cara a cara, fica mais fácil se soltar. O nome dela
é Beatrice, morena dos cabelos que iam à cintura com um volume que balançava
quando andava, sei disso, depois que a conheci, antes disso, admirava pelas
fotos, que por sinal era fotos lindas. Sempre que eu conversava com meus
colegas, eles diziam para eu ser eu mesmo quando estivesse com uma garota,
estranho, geralmente todo mundo tem uma receita infalível. Talvez eles não
quisessem me ajudar, ou esses eram sábios o suficiente para saber que não
existe receita. Eu a convidei para um encontro, ela aceitou, em um lugar
público, gostei, ela era cautelosa. Ao vê-la pessoalmente, fiquei mais
encantado, aquele sorriso que eu via nas fotos, podia ver agora o sincero, era
mais lindo. Depois de um tempo conversando, a convidei para irmos à um lugar
mais reservado, queria que ela conhecesse um lugar que eu gostava bastante, era
perto de onde eu cresci, e aquilo me tirava da superficialidade da vida agitada
da cidade. Estávamos nós dois, sob o céu escuro e do brilho da lua, ouvindo
apenas as folhas das árvores quando o vento passava, o coachar de algumas rãs,
e os grilos. Eu estava apreensivo, ela era da cidade, e se não gostasse dessa
calmaria caipira? Mas ao olhar o rosto sereno dela, percebi que estava
gostando, e eu senti vontade de beijá-la. Aproximando com cautela para não
assustá-la, percebi que era recíproco. E finalmente nos tocamos. A beijei como
se fosse a última vez, e aquilo foi me dando prazer, e de repente começou a
passar os flashback do morador de rua em chamas, ora ele, ora ela que
aparecia nas chamas com o sorriso malicioso e o olhar penetrante. Conforme nos
envolvíamos nos beijos, mais aumentava o prazer daquela ação, e a imaginação
estava me levando a êxtase, ela sob as chamas, com gemidos de prazer, e então
eu quis que aquilo acontecesse. Parei o beijo e a olhei, vi seu olhar confuso,
sem pensar, tateei uma pedra e com toda força que não sei onde arranjei, bati
na têmpora dela que apagou na hora.
Ainda estava eufórico, minha mente só
tinha um desejo, incendiá-la. Peguei um pedaço de cipó e a arrastei para árvore
mais fina, na qual eu consegui puxar os braços dela em volta e a amarrei, não
tinha substância inflamável para ajudar na combustão, procurei na bolsa dela
algum item e encontrei um pequeno frasco de perfume, joguei no tronco do corpo
dela e rapidamente peguei o isqueiro e acendi. Não estava como nas minhas
fantasias, ela não sentia prazer, sentia dor e desespero. Eu fiquei na
expectativa de acontecer como imaginei, mas só aumenta o desespero, os gritos
estavam cada vez mais altos e então eu voltei para minha sanidade, mais uma vez
estava cometendo um crime. Corri dali, entrei no carro e apenas acelerei, para
longe dali, para qualquer lugar.
TEXTO: LUCY BATISTA
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