Conto: CORAÇÃO DE GELO

Há muitos anos atrás, em uma época em que a tecnologia era limitada para aqueles com mais dinheiro, onde os mais pobres não tinham escolhas a não ser trabalhar e trabalhar, cada um com o que tivesse mais habilidade, existia um reino na Europa em algum lugar remoto, onde uma rainha egoísta que só queria luxo e conforto, não dava a mínima para seu povo, seu nome era Ananda. Ao seu lado, a conselheira e vassala Giovana estava sempre a lhe gabar e de vez em quando tentava por amor no coração daquela soberba.
-Senhora, hoje os guardas encontraram mais dois corpos na periferia do reino – ela jogou o comentário enquanto a rainha se olhava no espelho
-Estou achando minha pele muito ressecada, o que você acha? – ela olhou para Giovana
-Acho que sua pele está perfeita como sempre, vossa majestade sabe que está sempre perfeita!
-Obrigada! – ela agradeceu com orgulho – Por favor, me ajude a passar maquiagem!
-Claro! – Giovana foi para perto da rainha e ambas ficaram caladas, até que resolveu tocar no assunto – Hoje os guardas...
-“Encontraram dois corpos na periferia do reino”, eu ouvi!
-As pessoas estão morrendo de fome...
-Se elas comessem, não morreriam!
-Mas vossa majestade, elas não têm o que comer!
-E o que você quer que eu faça? Me iguale a elas para dividir a riqueza? – Ela olhou com desdém – Eu sou a rainha e tenho que estar em um conforto melhor, se não, como poderei governar?
-Mas...
-Nada de mais Giovana, eu sou a Rainha, cabe a mim decidir o que fazer com esses mortos de fome.
As duas ficaram em silêncio, quando bateram na porta e entrou uma moça magrela de olhos tristes, sempre olhando para o chão, disse:
-Majestade? Trouxe o seu café da manhã!
-Pode colocar em cima da mesa... – ela ficou um tempo pensando
-Poulyene.
-Tanto faz, por que eu preciso saber nome de criados? – ela deu uma risada maliciosa e Poulyene saiu do quarto como entrou, de cabeça baixa – Giovana, às 10 em ponto quero meu banho de rosas com leite de cabra preparado, não se atrase, preciso ir ao conselho discutir o aumento dos impostos.
-Aumentar mais?
-O quê? Não cabe a você dar palpite no valor dos impostos, vá logo!
Giovana abaixou a cabeça e fez sinal de reverência. Abriu a porta e encontrou Poulyene a escutar.
-O que está fazendo? Se fosse a rainha a sair primeiro você estava encrencada! – ela fechou a porta rapidamente para que a Ananda não visse as duas.
-Eu sei, mas eu preciso saber o que a rainha irá fazer quanto essas mortes para avisar as justiceiras.
-Justiceiras?
-Não posso te dizer quem são – ela colocou as duas mãos na boca
Giovana a encarou desconfiada
-Acho melhor você voltar à cozinha, sabe que daqui a pouco é o almoço da rainha, se não tiver o banquete dela, já sabe o que te acontecerá.
Poulyene se virou rapidamente e foi para cozinha, observou que as ajudantes estão bem ocupadas preparando o banquete, aproveitou e saiu discretamente pela porta dos fundos que dava para a saída do castelo, e saiu correndo em direção à floresta.
Na floresta, não muito distante do vilarejo e do castelo, havia uma cabana que parecia abandonada, mas havia uma luz fraca iluminando lá dentro. Três mulheres, vestidas como homens conversavam:
-Então esse é o plano!
-Você acha que o povo vai acatar, Hilda? Apesar da vida difícil, eles são bem acomodados com a vida que levam.
-Eles precisam de um líder para tomarem a frente, Lucineide, e esse líder somos nós três!
-Não temos cara de líderes, somos mulheres e mulheres não tem crédito nessa sociedade!
-Mas essa sociedade é governada por uma mulher – as duas olharam para a terceira mulher, que era um pouco mais jovem, mais magra e mais baixa – Nada como mulheres derrotando um mulher soberba e tirana!
-A Nicole tem razão, mas para termos créditos, não poderemos nos revelar mulheres por enquanto, continuaremos disfarçadas de cavalheiros!
Alguém bateu na porta nesse momento e as três rapidamente colocaram o elmo, a porta se abriu e Poulyene apareceu espiando:
-Ah! É você! – as três dão um suspiro e tiram o elmo- Entra logo
Poulyene entrou e sentou em uma cadeira ofegante, tentando recuperar o fôlego
-Um momento – ela esticou o dedo em forma de um – Vim correndo
-Ok! Se recupere aí, temos todo o tempo do mundo, só que não!
-Não seja mal criada Nicole!
-Não estou sendo mal criada, mas precisamos colocar nosso plano em ação!
-A Rainha não deu a mínima em saber que morreram mais duas pessoas de fome hoje, só estava preocupada com a pele ressecada dela – ela revirou os olhos com desdém – E hoje ela planeja aumentar os impostos!
-Ok! – disse Hilda concluindo – Vamos agora mesmo para o mercado, é onde se concentra maior parte do povo, vamos contar o que a rainha irá fazer e pediremos o apoio deles essa noite!
-Vocês vão disfarçadas de soldados?
-Sim! – disse Lucineide - você irá nos ajudar Poly, dentro castelo, faça com que a criadagem fique do nosso lado!
-Entendido – ela colocou a mão na testa
-Vamos meninas, tirar essa rainha do poder!
Enquanto isso, no castelo, a rainha caminha em direção ao banho de rosas com leite de cabra, Giovana esperava ao lado da banheira, com uma toalha nos braços.
-Muito bem, espero que a temperatura esteja adequada – ela deixou o hobby cair ao chão – Não olhe para meu corpo! Ou olhe – ela sorriu maliciosa – Você nunca terá o corpo igual ao meu.
-Não mesmo majestade! – ela disse sem olhar para a rainha – Perfeita é só a vossa majestade
-Pode deixar a toalha aqui, e espere lá fora, quando eu chamar você entra com minha roupa!
-Sim majestade – ela fez sinal de reverência e saiu.
Do lado de fora, ela viu Poulyene andando apressadamente na direção dela:
-O que foi dessas vez? Você deveria estar na cozinha, se Ananda te ver, você irá para rua!
-Não mais, iremos tirar Ananda do poder! Você irá nos ajudar!
-Ajudar quem?
-Nós, as justiceiras!
-Não sei como poderia ajudá-las!
-Somente você sabe que o rei não está morto, e sim no calabouço!
-E como você sabe?
-Eu escutei, atrás da porta é claro! – ela deu risinho
-Vou te contar como irá acontecer.
No mercado, em cada canto, uma das justiceiras estava a cochichar o que a rainha estava planejando, e todo camponês que passava por perto, escutava e se espantava. Alguns ignoravam, mas a maioria dizia que apoiaria. A noite estava caindo, o céu já estava cor de abóbora, e o mercado estava fechando, os camponeses estavam voltando para seus lares e então as justiceira se encontraram:
-Tudo certo?
-Sim, a maioria disse que estaria no local combinado!
-Aquelas que não concordaram eu dei um jeito – Nicole sorriu maliciosa
-Nicole! – Hilda e Lucineide falaram juntos com advertência
-Estou brincando!
De volta ao castelo, Rainha Ananda chamou por sua conselheira, Giovana entrou e passou a toalha para a Rainha e logo começou a ajudá-la a se vestir:
-Sabe majestade, vossa excelência é tão linda, seria uma pena se não existisse mais ninguém para admirá-la!
-Eu sei, mas do que está falando?
-Hoje morreram mais dois, amanhã será quatro, e se continuar nesse progressão, não terão mais camponeses para manter a hierarquia!
-Não fale bobagens Giovana, sempre haverá camponeses, eles têm uma resistência incrível para sobreviver! – ela gargalhou
-É uma pena vossa majestade ter tanta beleza e ao mesmo tempo tanta maldade!
-O que? – ela arregalou os olhos para Giovana
-Nada não majestade, os convidados já estão no salão esperando a sua presença.

A rainha levantou olhando no espelho grande, e sorriu:
-Espelho, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu? - Giovana ficou olhando enquanto a Rainha encara o espelho como se esperasse resposta, alguns segundos depois gargalhou - Eu nem preciso de um espelho mágico para me dizer o óbvio, é claro que não tem! 
-Majestade? Você entrará no salão acompanhada pelo ancião que a espera na sala do conselho!
- Por que está me dizendo o que já sei? - ela revirou os olhos - Saia daqui Giovana, hoje você está muito insuportável!
Giovana faz reverência e se retira. A rainha olha um pouco mais no espelho, com um sorriso maldoso e depois se retira. Caminha em direção à sala de reunião, mas ao chegar lá, não encontra ninguém.
-Ué? Cadê aquele ancião estúpido? Não sabe honrar a própria rainha? Deixa para lá, entro sozinha no salão! 
Ela foi caminhando graciosamente em direção ao salão e estranhou o silêncio, mas ignorou e continuou com o sorriso maldoso de sempre. Foi se aproximando cada vez mais e estranhando cada vez mais não ouvir nenhum barulho que mostrasse que havia alguém a esperando. Resolveu apertar o passo, já estava curiosa demais para saber o que estava acontecendo, quando chegou no topo da escadaria que dava para ver todo o salão não viu ninguém.
-Cadê todo mundo? - ela começou a se desesperar - Criados? Convidados? - ninguém respondia - Alguém? ALGUÉM? - ela gritou, mas só teve o eco em resposta.
Enquanto isso, em um lugar um pouco além do vilarejo, estava uma multidão de camponeses. Todos cochichando, curiosos sem saber o porquê estavam ali. Quando todo mundo voltou a atenção para para três cavalheiros galopando em cavalos que avançavam na direção deles, e um pouco atrás uma carruagem. Quando finalmente todos olhavam, os três cavaleiros pararam em frente a multidão e anunciaram:
-Atenção cidadãos de Ana Nanda, venho anunciar a feliz mensagem: estarão a partir de hoje livres da tirania da rainha Ananda!
Todos começaram a murmurar se perguntando como seria possível:
-Não se espantem ou duvidem, trago lhes aqui uma pessoa que há muito tempo foi esquecido!
Nesse momento, a carruagem se aproximou entre os três cavalheiros, e saiu a vassala Giovana, todos olhando intrigados, quando de repente, saiu o rei, o rei que tinha sido esquecido, que a rainha carrasca disse que havia morrido em um acidente:
-Estou aqui cidadãos! - o rei anunciou gritando com os braços abertos - Graças à essas quatro mulheres guerreiras que me salvaram e enfrentaram a rainha com grande estratégia, sem derramar sangue!
Todo mundo começou a cochichar e murmurar até que algum cidadão no meio teve coragem de perguntar:
-Que mulheres?
-Essas guerreiras! - nesse momento, Lucineide, Hilda e Nicole que estavam disfarçada de cavalheiros sobre os cavalos, tiraram os elmos se mostrando as grandes mulheres que eram, e Poulyene saiu da carruagem se juntando à elas. Todos encararam chocados, e ficaram alguns segundos em silêncio, até que todo mundo explodiu em alegria e começaram a gritar e aplaudir.
-Agora é com vocês cidadãos! - Hilda gritou
-Vamos invadir o castelo e tirar Ananda do poder!
E todos gritaram e avançaram em direção ao castelo.

A rainha andava rapidamente de uma lado para o outro no grande salão, procurando por alguém, quando percebeu vozes aumentando gradativamente. Ela não tinha entendido o que falavam, parou e ficou atenta, conforme o som ia aumentando, foi ficando mais nítido o que falavam:
-Fora rainha Ananda!
-O grande Rei voltou!
-Viva o grande rei!
Ao perceber a infame, arregalou os olhos e olhou em direção ao grande portal que dava para a área externa do castelo, era de lá que viam os gritos e a audácia. De repente a porta se abriu num estrondo e entraram camponeses com bastões que batiam no chão fazendo um barulho de marcha. A Rainha desesperada com aquelas pessoas que pareciam furiosas, correu para a escadaria gritando:
-Guardas! Guardas! 
Nesse momento, todos calaram e ficou um silêncio sepulcral, até que se ouviu uma voz no meio da multidão:
-Ninguém virá te salvar rainha! - a palavra saiu bem irônica
-Quem disse isso? - ela procurava pela multidão
-Já que você nunca salvou quem de ti precisou! 
-Quem está me desacatando? - ela desceu alguns degraus com olhar furioso
-Cuidado rainha, a raiva causa rugas! - ouve-se risadinhas
-Apareça agora! - ela gritou e três cavaleiros saíram à frente da multidão
-Quardas? O que estão fazendo? Levem essa gentalha para fora do meu castelo!
-Desculpa vossa excelencia, agora só obedecemos ordens do rei!
Nesse momento a multidão se dividiu em duas partes, formando um caminho por onde o rei que estava no portal caminhou até chegar à frente e ficar entre os cavaleiros:
-Justiceiras? Predam essa carrasca!
-O quê? Quem são essas justiceiras?
As três mulheres tiraram ao mesmo tempo os elmos se revelando à rainha quem eram.
-Mulheres?
As três mulheres se aproximaram e cada uma pegou nos braços e nas pernas:

-Ei! Me soltem! Me ponham no chão! É uma ordem! - a rainha gritava enquanto as três justiceiras a levava para o calabouço onde por anos manteve o rei trancado.

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