Conto: RELATO DE UM AVENTUREIRO

Certa vez, enquanto eu passava pelo interior remoto de uma cidade, eu vi a beleza mais pura e mortal de uma mulher.
Na época, eu era um jovem aventureiro que vivia do lazer da caça e da gula, não existia amor, apenas luxúria. Acostumado com meu pai que desde pequeno dizia-me que mulheres eram o demônio e que eu nunca deveria cair em seus encantos e tentações, por isso cresci com uma armadura e jamais deixei uma mulher entrar em meu coração. E por causa disso, destruí corações. Eu contava histórias surpreendentes, falava o que elas queriam ouvir, as elogiava, contava vantagens e falava de ambições, prometia um mundo novo a elas e aí então eu conseguia o que queria: o corpo e o prazer, depois ia embora para sempre.
Nunca estabeleci raízes em um só lugar, sempre em busca de novos horizontes e novas formas de prazer, viajei, até que ali, por ironia do destino, eu caí, bem alí, onde o meu coração dessa vez foi destruído.
Eu estava com minha égua, sempre viajei com ela. Eu tinha caçado alguns patos selvagens. Enquanto descansava, deixei a égua pastar. Foi aí que ouvi um canto, um canto distante, que se eu não fosse cético, acreditaria que era uma sereia. Ali perto de onde eu descansava, havia um lago, era de lá que eu ouvia o canto. Curioso, levantei e sutilmente fui em direção ao lago.
Fui me escondendo entre árvores e arbustos, até que cheguei em um ponto que conseguia ver o lago, e então pude vê-la. Linda, em tudo, o corpo e o rosto simétrico, era como um anjo, jamais havia visto mulher tão linda e harmoniosa, seus cabelos, suas mãos acariciando o corpo, ela estava nua. Eu fiquei paralisado, como aquela deusa poderia ficar daquela forma, tão desprotegida, onde qualquer animal, racional ou não, poderia atacá-la.
Fui seu guardião, a vigiei, qualquer coisa que se mexesse eu procurava para ver se não a incomodaria.
O céu azul celeste estava agora escurecendo, já estava se tornando alaranjado, o crepúsculo. Ela saiu da água, com o corpo escorrendo água, sem se secar colocou um vestido. Eu extasiado, até com a boca aberta e o olho arregalado , bem atento não perdi nenhum movimento. E só nesse momento percebi que havia um cavalo ali perto, ela se aproximou do animal e o acariciou depois subiu em cima dele e disparou em direção à colina.
Não pude segui-la, quando pensei em fazer isso, não sabia onde estava minha égua, a encontrei pastando mais longe, mas não lembrei o caminho que o anjo havia feito e acabei me perdendo até o céu escurecer. Eu precisava de um lugar para dormir, voltei para a estrada a galope e encontrei uma pousada ali perto. Não era confortável, no quarto só havia uma cama velha que rangia, um colchão mais fino que a grade e não havia travesseiro. A comida era fria e sem tempero, mas eu estava com fome, então não me importei. Fui dormir e sonhei que aquele anjo sorria para mim.
No dia seguinte, lavei o rosto e não comi nada, paguei a mulher velha que ficava na recepção e voltei para o mesmo lugar, não voltei para caçar, não foi para deixar a égua pastar, e sim para tentar encontrá-la. Fui cedo, talvez ela fosse em algum horário diferente, eu não queria perder a chance de encontrá-la. Me encostei sob a sombra de uma árvore e aguardei. Fechei os olhos e ouvi o som do vento, das árvores balançando, ouvi a água se mover, e alguns pássaros distantes. Nunca tinha parado para observar a natureza daquela forma, era tão calma… e ao mesmo tão imensa e poderosa… E aí ouvi o melhor som de todos, o da voz dela, aquela melodia harmoniosa, em um tom que encantava. Nem abri os olhos e sorri, apreciando aquela voz, e então ela parou.
Me levantei em sobressalto para localizá-la, talvez alguma coisa havia lhe acontecido para parar de cantar, mas para meu alívio, ela estava lá, a sereia, submersa na água, apenas com o rosto para fora, e os olhos fechados e um sorriso encantador nos lábios. Enfeitiçado por aquela beleza me aproximei mais um pouco e sem querer eu encostei uma planta a qual fez barulho, o que a fez abrir os olhos. Por reflexo, tentei me esconder e acabei fazendo um barulho maior ainda, ela que estava submersa se levantou, fazendo dos ombros para cima e perguntou procurando:
-Quem está aí?
Eu tentei ficar o mais imóvel possível para ela esquecer do barulho e voltar para seu banho tranquila, mas pela minha surpresa ela continuou:
-Estou te vendo, saia daí - sua voz era doce e calma - Não acha feio espiar donzelas em seus banhos diário?
-Eu não estou te olhando, eu vou sair daqui imediatamente!
Quando disse aquilo, caí a ficha depois que as palavras saíram, eu nunca havia me desculpado para nenhuma mulher, porque pedi perdão àquela?
-Olhe para mim pervertido - a voz estava bem próxima, parecia que estava atrás de mim, apesar de me xingar, seu tom era divertido, parecia que estava gostando da situação.
Olhei para trás para conferir se ela realmente estava atrás de mim, e para minha surpresa estava. Estava em pé, nua, com um sorriso encantador nos lábios.
-você não vai se vestir?
-Para quê? Você já me viu assim mesmo.
Qualquer outra mulher, se sentiria envergonhada, e provavelmente nem se aproximaria de mim, mas ela estava serena, parecia que não conhecia a vergonha e o pudor, não escondia nada, deixava tudo a mostra para mim, e quem ficou encabulado, foi eu.
-Por favor, se vista!
-Ora,ora! Estava até agora me apreciando assim e agora quer que eu me vista?
-eu não quero que pense que sou um pervertido, eu acabei aqui sem querer e nem se quer vi que estava se banhando…
Ela deu uma risada maravilhosa
-você sabe que me banho aqui, me viu ontem, e veio me ver hoje.
- você sabia?
-Sim.
Eu estava falando com ela, mas olhando para outra direção, não conseguia olhar para ela face a face sabendo que estava a mostra, aquilo me deixava envergonhado e eu não sabia como agir. Pela primeira vez, não sabia como agir perto de uma mulher, pela primeira vez não consegui mentir para uma mulher, pela primeira vez gaguejei ao falar com uma mulher.
-E..e...eu vou me embora moça! Perdoe-me o incômodo. - me virei para sair e ela se aproximou de mim, passando os braços macios pelos meus, como se estivesse me prendendo.
-você esteve apreciando a natureza?
-e.. e...eu esta… estava. 
-o que apreciou? - sua boca estava bem próxima ao meu ouvido, eu sentia seu hálito me acariciando.
-ou...ouvi o vento, os… os.. pássaros e.. e.. as árvores, ouvi seu canto!- agora sentia seu lábio em meu pescoço e sua mão desabotoando minha camisa.
- Gostou do meu canto?
Agora ela se colocou na minha frente e começou a tirar minhas calças, eu que sempre dominei, que sempre comandou, estava deixando aquela deusa fazer tudo comigo.
-por que caça? Tens fome?
- não… - aquela pergunta foi estranha, como sabia que eu caçava?
-Por que fazer isso? Por que tens o desejo que estar sobre tudo e todos? Queres poder?
Agora ela se envolvia em meu corpo, beijando meu pescoço, eu não sabia onde deixar minhas mãos, parecia que se eu a tocasse, cometeria um pecado e me queimaria, se eu a beijasse eu pagaria para sempre por isso, e não conseguia fazer nada eu apenas a deixei me amar. Ela de fez deitar no chão, só obedeci, ela subiu em mim, e por algum tempo eu só observei aquela deusa ir e vir. Eu estava extasiado, não fazia nada, e nem me controlei, só senti prazer.
Olhei para o céu azul, sentia aquela brisa, ouvi o barulho da água, o cheiro do mato. Até que ela parou. Ela se levantou sem dizer nada e foi até seu cavalo, pegou um vestido que estava no chão, vestiu, montou no Animal e saiu a galope.
Eu fiquei lá, deitado no chão, olhando para o céu, ofegante, sem nenhuma ação. Depois de alguns segundos eu me levantei e procurei minha égua, e comecei a galopar em direção a colina, estava tentando encontrá-la. De repente o tempo mudou, e o céu escureceu, e uma tempestade repentina começou a cair. Ainda fiquei por um tempo sob a tempestade, tentando encontrar um rumo, ou talvez eu queria que milagrosamente a deusa aparecesse novamente para mim. Voltei para a pousada e procurei saber se alguém a conhecia, a descrevi de diversas formas, falei sobre seu cabelo, sua pele, sua altura, e principalmente sobre sua voz, mas ninguém parecia saber, me olhavam com cara de interrogação, como se eu estivesse descrevendo um anjo… e eu estava mesmo. Ninguém mais a conhecia.

Eu não desisti, passei durante um tempo tentando encontrá-la. Voltei várias vezes para o lago, fiquei o dia inteiro esperando, mas ela nunca voltou. Pelas redondezas sempre abordava alguém e a descrevia, mas sempre recebia um não, ora uma careta. Desde então, não tiro aquele anjo da cabeça, e perdi a vontade do prazer com outras mulheres, às vezes me aparecia alguma, jogava um charme, mas eu nem se querer sentia desejo por elas. Perdi a vontade de caçar e conhecer novos horizontes, estou ainda naquela pousada maltrapilha, me tornei um cara ranzinza que só quer ficar no quarto a fumar e relembrar aquele momento que durou tão pouco, mas me perturba a vida inteira.

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