Crônica: A MASSA MASSIVA


-Eu não aguento mais! É todo dia a mesma palhaçada, a mesma luta, a mesma rotina, a mesma dor, tudo igual! – ela bateu na mesa e todo mundo que estava olhando para ele, deu um sobressalto – O que estão olhando? Eu não aguento mais mesmo, vou pedir arrego, é isso que vocês acham? Que sou um fraco, que não deveria ter descido para o play? Que seja, eu sou humano, preciso de um lugar ao sol, uma rede para balançar, para lá e pra cá, pra lá e pra cá – ele fazia o movimento com as mãos – Se vocês são máquinas, problema é de vocês, que aguentam tudo com a cabeça baixa, que pega o trenzão, o busão lotado de madrugada e chegam em casa quando já escureceu, tudo isso para manter os grandões que estão lá em cima só faturando em cima da massa, tudo vocês aí – ele apontou o dedo em direção à todos que o encarava – ficam aí, acham que vão enriquecer? Dão maior duro durante um ano, para um mês de férias que nem vai poder viajar, é para pagar as contas atrasadas, parabéns! – ele começou a aplaudir – vocês foram promovidos à trouxas da sociedade, tá aí, doente, mas veem porque precisa manter os ricões no topo da pirâmide, vocês riem? Isso riem mesmo, porque eu enlouqueci, enlouqueci porque percebi a desgraça que é viver nessa sociedade, viver? Sobreviver, porque isso não é vida, vida é o que eles têm, poder ir para um mar, no iate com várias gatinhas, conhecer Dubai, Paris, Veneza, Machu Picchu, e vocês só conhecem a praia grande – ele dá uma gargalhada que ecoa – Céus! Vocês mal saem de São Paulo, trabalham mais do que vivem, são zumbis! Olha essas olheiras – apontou para uma mulher que tentou esconder o rosto – E ela? Morrendo de cólicas. E você meu caro? Quanto tempo faz que brincou com seu filho? – o rapaz deu um sorriso concordando – Eu dei duro! São 40 anos de trabalho e não saí do lugar! Vocês dizem que não eu soube evoluir, eu me dei muito aqui e só tive uma merreca de aumento, minha promoção não diminuiu minha carga horária, eu nem vi minha filha crescer e hoje ela já é mãe! – algumas pessoas arregalaram os olhos – É, eu vou ser avô e nem se quer curti minha filha, eu ainda achei que ela uma criança, nem vi seu desempenho no colégio, eu nem sei quem é meu genro! Mas eu enlouqueci, enlouqueci e por isso eu tô aqui surtando enquanto vocês perdem o tempo prestando atenção na minha loucura, não para não, máquina – ele segurou um homem de meia idade pelos ombros e o virou para a máquina -  Vocês não podem se distrair, ou perderá metade do salário suado que vocês recebem, na verdade, é uma esmola, para que não desmontem ou deixem de vir, poupar o trabalho na busca de algum servo para substituir. Eu vou embora! Hasta luego amigos, eu desisti, eu vou viver, pelo menos meu neto eu verei crescer, eu vou conhecer o mundo, antes de eu morrer eu me tornar um estorvo para o governo, onde eles tem que pagar aposentadoria na marra. Podem julgar, como vou sobreviver se nem me aposentei ainda? Não preciso de esmola, sei fazer coisas e serviços que os outros precisam de mim, tanto faz, vou viver! – Ele abriu os braços e gritou – Adeus! A gente se esbarra por aí – ele passou pela porta e todos se olharam, deram de ombros e voltaram ao trabalho.

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