LENDA URBANA - DOIS

Eu cheguei em casa, muito tarde. Estava uma noite bem chuvosa. Eu tinha bebido muito e quase não conseguia ficar em pé, não sei como consegui dirigir até em casa sem causar um acidente. Desci do carro e fui cambaleando pela chuva, tentando não cair porque se eu caísse não me levantaria mais. Tentei abrir a porta, mas estava trancada, toquei meus bolsos, mas não tinha chave, talvez eu deixei cair no carro ou perdi em outro lugar. Comecei a bater na porta e gritei para que minha companheira viesse abri-la para mim. Eu batia descontroladamente, provavelmente estava fazendo um barulho horrível, uma péssima forma de acordar alguém do sono profundo, porém, ela não estava dormindo, ela abriu a porta e seus olhos mostrava que ficou acordada, ela começou a gritar comigo, não lembro direitos quais palavras, mas lembro de alguns xingamentos por eu chegar em casa tão tarde e ainda chapado, me chamou de irresponsável, e outras coisas piores.
Eu não conseguia me expressar direito, as palavras embolava na minha boca, a maior parte fiquei ouvindo ela me seguir pela casa e gritar comigo. Fui caminhando até a cozinha me apoiando nas paredes, enquanto tentava fazer ela parar de gritar. Teve um momento que não aguentei mais aquele som da voz dela e peguei a primeira coisa que vi na minha frente e a acertei, eu queria apenas que ela parasse de gritar, mas eu mesmo não controlava a mim. Era uma garrafa de vidro, a quebrei na cabeça dela. Ela caiu, colou a mão na cabeça, mas eu não queria que ela gritasse mais, então caí em cima dela e tentei tampar a boca dela com minhas mãos enormes, mas não tampei apenas a boca daquele rosto pequeno, tampei também o nariz. Ela se debatia, mas eu não tinha forças para sair de cima dela, e fiquei com meus 90 quilos em cima de 56, tirando o oxigênio dela, e de repente eu apaguei.
Voltei a consciência depois de algum tempo, não sei quanto, ela ainda estava sob mim, estava pálida e imóvel, coloquei meu ouvido sobre o peito dela, mas estava imóvel. Eu a matei.
Não era para matá-la, só queria que ela não gritasse mais. Eu levantei, não sabia o que fazer, eu ia ser preso por homicídio. A chuva ainda continuava. Saí de casa, não me preocupei em fechar a porta, fui direto para o carro, a chave ainda estava no contato, liguei e saí acelerando para a rua. Não tinha rumo, apenas dirigi durante a madrugada o mais rápido que eu podia. Liguei o limpa para-brisa, mas não conseguia enxergar nada ainda. Fui dirigindo e aumentei o farol para ver melhor. Percebi que tinha pego uma estrada, não estava mais rodando as ruas da cidade, eu percebi, apesar da chuva, que tinha árvores dos dois lados da pista.
Comecei a chorar porque eu tinha matado alguém, e desacelerei o carro, mas continuava sem rumo. Foi quando percebi alguém parado no canto da pista usando uma roupa branca, mas passei muito rápido e olhando pelo retrovisor, não vi mais ninguém. Acho que imaginei coisas. Continuei meu rumo, sem saber qual era, ainda preocupado com o que tinha feito, quando percebi de novo uma pessoa parada no canto da pista. Mais uma vez olhei pelo retrovisor e não vi ninguém. Comecei passar bem mais devagar com o carro, dessa vez eu vi bem que a frente tinha alguém, agora do outro lado da pista, pensei como alguém estava em uma rodovia sob a chuva vestida uns trajes tão estranho. Fui parando o carro e passando pela pessoa, parei o carro mais à frente. Desci e voltei a pé para ver se precisava de ajuda, mas, não havia ninguém. Eu já não estava mais bêbado, ou estava? Voltei correndo para o carro, agora estava com medo. Liguei o carro, ele falhou duas vezes, mas na terceira foi. Acelerei o máximo que pude e olhando sempre pelo retrovisor, até que percebi que aquela figura de roupa branca me seguia. Como? Eu estava à 80 km por hora, como alguém estava me alcançando? Claro. Não era alguém. Era uma entidade. Eu matei uma pessoa e agora estão vindo atrás de mim em uma velocidade surpreendente. Eu via pelo retrovisor que estava se aproximando, até que sumiu. Quando olhei para frente, lá estava a figura, agora, aparada no meio da estrada. Instintivamente eu tentei desviar, mas a pista estava molhada e o carro começou a rodopiar e durante as voltar que dava eu via o vulto branco do lado de fora. Estava me olhando e agora eu que assassinei alguém, iria morrer também.
Até que o carro bateu em alguma coisa e eu apaguei.
Abri os olhos devagar e vi uma sala branca. Eu estava sobre uma maca. Hospital. Não morri, quando deveria. Estava com alguns tubos, um na minha boca inclusive, não podia falar, observei que uma enfermeira entrou, mas não vi seu rosto. Estava de costas, mas olhando melhor, não era roupa de enfermeira, apesar de ser uma roupa branca, estava um pouco molhada. Molhada? Os cabelos estavam molhados também. Rapidamente me veio à mente daquela figura na estrada, comecei a me debater, mas não conseguia gritar, não podia chamar ninguém. Quando finalmente a pessoa se virou para mim, sua face me assustou mais do que eu esperava. Era minha companheira, aquela que sufoquei no chão da minha cozinha. Estava com a cicatriz na testa da garrafa que quebrei nela. Seus olhos não tinha vida, estavam apagados, mas tinha um sorriso sádico cheio de sangue preto. Ela foi se aproximando de mim e eu me agitando cada vez mais na maca, tentando fazer o máximo de barulho, mas ninguém me escutava.
Ela subiu em cima de mim, e pesava muito, como ela conseguia pesar tanto sendo bem menor do que eu? E ao se aproximar de minha face com aquele rosto amedrontador, suas mãos enormes apareceram, não, não era as mãos dela, aquelas mãos eram enormes. E a colocou sobre meu nariz, tirando minha respiração. Meus pulmões começaram a queimar em busca de oxigênio, mas aquele peso me impedia de me mexer, e então, começou a escurecer tudo em minha volta. A última coisa em minha memória foi o rosto dela, mas não o dela, o rosto horrível desconfigurado da morte.

Texto: Lucy Batista

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