Conto: ADEUS OLHO, OPS! ANO VELHO!



Era 31 de dezembro, todo mundo em casa estava animado para os preparativos – alguns estressados. Cada um tinha uma função, minha mãe estava preparando a ceia, minha irmã estava limpando a casa, meu pai saiu para comprar as bebidas, e eu... Bem, eu não fazia nada útil, minha mãe já tinha me dado uns gritos para eu ajudar, mas não estava afim, e fiquei navegando na internet pelo celular.
Na verdade eu nem queria passar a virada do ano em casa, meus tios chatos viriam e meu avô me incomodaria por eu não ter namorada, ou ainda, por eu não gostar de namorada, então decidi que não iria ajudar em nada.
E não ajudei, era 18 horas e minha mãe e eu já tínhamos discutidos várias vezes, meu pai acabava de chegar com várias sacolas e colocou-as sobre a mesa.
-Por que está gritando agora, Soraia?
-Seu filho encostado, passou o dia jogado no sofá e não ajudou em nada!
-Nem o quarto dele, ele limpou! – passou minha irmã pelo corredor em direção à lavanderia segurando um par de meia usada com as pontas dos dedos e a outra mão, fechando o nariz.
-Seu viadinho de merda! – ele me deu um tapa na têmpora – Vai limpar seu quarto!
-Deixa, pai, eu já limpei!
-Vai se arrumar então – eu estava de pijama.
Depois do tapa eu achei melhor não provocar mais, fui para o banho, odiando essas festas comemorativas.
Quando estávamos todos prontos, apenas ajustando pequenos detalhes na mesa, passando perfume, ouvimos a campainha tocar. Nós quatro olhamos e como eu era o único que estava sentado no sofá, sobrou para mim.
-Oi! – minha tia rude passou por mim com a cara carrancuda, depois passou meu tio que nem me olhou e foi dizendo alto e sorridente:
-Olá Valdo, como você está? – depois cumprimentou minha mãe e minha irmã com um beijo no rosto
Minha prima Anastácia me olhou com desdém
-Oi bicha!
Meus primos Fernando e Éric passaram rindo com deboche depois. Meu avô me olhou severamente e me estendeu a mão que eu segurei com medo, sem dizer mais nada além de “juízo” e entrou para cumprimentar o restante da minha família que já estava na sala conversando com os convidados. Minha avó foi a única que me abraçou, depois me olhou triste e entrou sem dizer nada.
Percebi meus pais encabulados que tentavam sem sucesso deixar o clima mais leve, minha irmã conversava com meus primos para distraí-los, mas ainda assim, eles me olhavam com deboche e desprezo. Eu fiquei em um canto, sem falar com ninguém, aliás, ninguém queria falar comigo.
Foi que em um momento minha mãe olhou o relógio e sorriu indo até a cozinha, dizendo que estava quase na hora, minha irmã a seguiu, e elas voltaram com champanhe e taças que entregaram para cada um e encheu os copos. Começamos a ouvir os fogos de artifícios na rua, nos posicionamos em círculo na sala, eu fiquei entre minha irmã e minha mãe, meu avô começou a fazer um discurso falando sobre nesse novo ano, amarmos mais o próximo, sermos altruístas e não julgarmos as pessoas e todos disseram saúde e brindaram. Me pareceu um pouco hipócrita o discurso.
-Vamos comer pessoal , a comida está posta na mesa! – disse minha mãe tomando a frente
Todos se sentaram sorrindo, ou quase todos e começaram a se servir, e meu tio resolveu quebrar o clima, ou piorar:
-Estão acompanhando as novelas?
-Ultimamente não tenho tempo para nada...
-Eu estou – falou minha tia – está uma barbaridade, está tendo várias cenas de homens se beijando! – ela olhou para mim
-E aquela outra que tem uma mulher que fez cirurgia?
-Acho que o Fabrício se identifica muito – falou Éric, os outros riram e meus tios e meu avô olharam severamente para mim enquanto minha vó abaixava a cabeça.
-Você encontrou uma namorada, Fabrício? – perguntou meu avô mastigando nervosamente.
-Vô, eu não...
-Vocês já fizeram o pedido para esse novo ano? É bom sempre fazer um pedido há meia noite. – disse minha vó
-Não venha com essas superstições Dona Eva, Seu Joaquim está falando com seu neto!
-Ele ainda não namora, vô, está focado nos estudos! – minha irmã me defendeu
-Não esqueçam de fazerem os pedidos... –minha avó interrompeu novamente, mas meus primos continuaram a me perseguir.
-Na verdade ele nunca vai namorar, não com uma garota! – falou Anastácia e os outros riram
-Você vai deixar seus primos te caluniarem assim, Fabrício! – perguntou meu avô muito sério e irônico, eu me encolhi na cadeira.
-Vai dizer que não sabe que seu neto é viado? – perguntou meu tio irritado
-Não é viado que se fala, é gay – disse minha tia sátira.
-não pode ser! – meu avô bateu o punho na mesa – Que coisa ridícula é essa, Fabrício? Gosta de homem?
- Ele vai dar o tobinha! – falou Fernando rindo
- Vai gemer como uma garotinha! – disse Éric
-Diga que isso é mentira! – meu avô levantou bruscamente da cadeira – Valdo, vai deixar seu filho fazer uma pouca vergonha dessas?
-Pai...
-Esse mundo está perdido! – falou minha tia
-Melhor ser cego, do que ver essas coisas! – falou meu tio
Todos falavam coisas negativas ao mesmo tempo, e meus pais tentavam remediar, mas não conseguiam falar porque eram interrompidos por alguma crítica, minha irmã não olhava para ninguém, comendo de cabeça baixa. Estava um barulho horrível, minha cabeça começou a doer, eu olhei e vi minha avó dizendo “faça o pedido, faça o pedido”, meu sangue subiu e eu gritei me levantando.
-Calem a boca! – todos me olharam surpresos – Eu sou gay sim! Gosto de homem! Eram o que queriam ouvir? Vão parar de vir aqui por causa disso? Vão me exilar? Pois façam! Ninguém precisa de pessoas tóxicas como vocês! Não querem me ver como homossexual? Pois que fiquem sem os olhos da cara!
Silêncio. Encarei todos. Apenas minha avó sorriu. Saí da sala e fui para meu quarto. Tranquei a porta e ouvi que começaram a falar, mas não entendia nada, eu estava nervoso, me joguei na cama e fiquei lá até adormecer.
Abri os olhos, os raios solares passavam entre as frestas da janela. Olhei a hora. 9 horas. Estava tudo quieto, acho que todos ainda dormiam. Me levantei e espreguicei quando ouvi um grito feminino, depois outro masculino e  mais outros três que não paravam. Gritos de horror. Saí correndo do meu quarto e encontrei meus pais e minha irmã assustados no corredor, os gritos vinham do quarto de hóspedes. Corremos até lá e nos deparamos com meus tios, primos e meu avô gritando. Abrimos a persiana para entrar claridade e então começamos a gritar juntos: todos eles estavam sem o globo ocular, eles não enxergavam e apenas se via o buraco no lugar dos olhos.
Era assustador e todos gritavam desesperados, apenas uma pessoa não gritava e olhava serena para mim, minha avó. Ela caminhou até a mim e disse:
-Cuidado com seus desejos na virada do ano! – e saiu do quarto com todos ainda horrorizados gritando.

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